TL; DR - Se você só tem 20 segundos

Criatividade não é dom – é treino. Ela funciona quando você (1) acumula repertório diverso, (2) confia que consegue criar, (3) dá tempo pro cérebro processar. Nesta edição: a ciência por trás, os 4P's que compõem a criatividade, e como resgatar a sua capacidade criativa perdida na vida adulta na prática.

(Mas eu recomendo ler a edição inteira. Sério)

O que é criatividade? Como fomentar? Como usar? 

Um publicitário premiado, uma diretora de tecnologia, uma psicóloga especialista e um executivo renomado entram em um bar.  

Parece uma introdução de uma piada, mas é só o começo de um dos conteúdos mais completos sobre criatividade que você vai ler na sua vida. 

Peguei relatos reais de amigos bem-sucedidos nessas profissões, somei com uma pesquisa extensa que vai desde a ciência da criatividade até os processos criativos mais eficientes, e voilà: temos um guia completo

Um material que cobre o mecanismo cerebral de criar algo - muito mais do que a tal “criatividade da publicidade” ou das artes. 

Mostro nas próximas linhas que dá para você exercitar, treinar, lapidar e incentivar a sua criatividade. Você vai aprender com: 

  • Cientistas e estudiosos como Mihaly Csikszentmihalyi e Mel Rhodes.

  • Papers científicos de Cambridge, Harvard e Oxford.

  • Entrevistas com experts como:

    • Izabela Anholett, CTO da V.Tal (BTG Pactual), ex-CTO da EXAME e expert em IA

    • Lara Branco, psicóloga, financial planner, professora de Gestão do Tempo e empreendedora

    • LG Lima, diretor da CIMED (unidade de negócios Foguete Amarelo), professor de MBA

    • Rapha Borges, fundador Tiger.AI e diretor de criação premiado, ex-Africa, GUT e WMcCann.

Izabela Anholett, LG Lima, Lara Branco e Rapha Borges, entrevistados sobre criatividade

Esta edição está recheada de conhecimento, mas se as próximas linhas não forem suficientes para matar a sua curiosidade e sede de aprender… 

Considere entrar para o Growth Insight Premium - membros terão acesso ao “material bruto”, desde as entrevistas completas até os lívros e vídeos utilizados para a criação desta edição, e um LLM para papearem a respeito. Vale a pena. 

🧠 Tempo para escrever: 20 horas - sério. Muita pesquisa e esforço :)
📖 Tempo de leitura: 26 minutos
🎙️ No último podcast: O abismo entre copywriting e saber escrever [T1E04]

💬Comentário da última edição:

Adoramos quando comentam no YouTube :)

O guia completo de criatividade

O que é criatividade?

Vamos começar por definir o que é criatividade - eu aposto que existem vários conceitos errados ou imprecisos, e quanto mais misticismo ao redor do tema, pior. Então vamos trazer clareza. 

Criatividade é a capacidade de um indivíduo gerar ideias, interpretações ou objetos que são simultaneamente originais e úteis, reconhecidos como valiosos por uma comunidade de referência (campo), dentro de um sistema simbólico (domínio).

Mihaly Csikszentmihalyi, em “Creativity: Flow and the Psychology of Discovery and Invention

Essa definição é original do Modelo Sistêmico de Criatividade, de Csikszentmihalyi - o mesmo cara (de nome impronunciável) que escreveu o também premiado “Flow” para falar daquele estado de espírito de altíssima concentração. 

Vamos decupar o que ele quer dizer com essas palavras do Sistema: 

Modelo Sistêmico

Domínio, Indivíduo e Campo, os três elementos de Criatividade para Csikszentmihalyi

Domínio: 

É o conjunto de conhecimentos, regras, técnicas, estilos e códigos simbólicos de uma área do saber (ex.: música, ciência, arte, negócios).

Onde estão armazenadas as referências, práticas e convenções que qualquer pessoa criativa precisa aprender para inovar. Basicamente, é o contexto e o insumo para criar

“Criatividade é a forma como o nosso cérebro conecta tudo o que já viveu, aprendeu e observou.

Eu gosto de imaginar uma “caixinha criativa” dentro da cabeça: ali ficam guardadas todas as experiências, boas e ruins.

O ato criativo nasce exatamente desse repertório. Diante de um problema, você acessa essa caixinha e combina elementos para encontrar uma solução nova”

Izabela Anholett, CTO

Indivíduo: 

É quem traz novidades ao domínio, combinando, modificando ou criando algo inédito usando os símbolos, regras e conhecimentos já existentes.

Sua criatividade depende tanto do repertório adquirido quanto de habilidades cognitivas, motivação e experiência pessoal. É você. 

Campo:

É o grupo de especialistas, gatekeepers ou comunidade de referência (críticos, editores, jurados, pares, chefes) que julga e valida se as novas ideias do indivíduo são realmente criativas e merecem ser incorporadas ao domínio. São “os olhos do público”.

Vamos simplificar: 

  • Basicamente, você tem um contexto cheio de informações, objetos e “coisas” que já existem. 

  • Você olha para aquele contexto, mistura e recombina ideias e conceitos, e cria algo novo a partir daquilo

  • Outras pessoas validam se de fato a sua ideia é criativa - ou seja, útil e original. 

Criatividade é conseguir olhar para o óbvio e enxergar algo novo. É fazer conexões improváveis entre coisas que já existem. Não é um dom, é um jeito de pensar.

Rapha Borges, publicitário

Criatividade é de todos os tamanhos.

Desde “Criatividade com C maiúsculo”, destinado a grandes descobertas e obras com grande impacto cultural, até “com c minúsculo”, que é a gambiarra que você fez para a receita de macarrão não desandar no fim de semana. 

Legal, né? Nada a ver só com a criação artística ou publicitária. Na verdade, você pode ser criativo em qualquer campo - do esporte à medicina, da música à física. 

Para ficar ainda mais interessante: criatividade não é um atributo estático.

É na verdade um processo que envolve fatores individuais, cognitivos, motivacionais, ambientais e sociais. 

Os 4 P’s de Criatividade

Outra das teorias mais aceitas é a de Mel Rhodes, que estabelece os componentes relacionados à criatividade em 4P’s (não são os 4P’s de Marketing, ó amante de Kotler). São eles: 

Os 4P’s de Criatividade de Mel Rhodes, e os dois outros adicionados no caminho

Pessoa

Tudo começa com a pessoa: quais são os aspectos e características do indivíduo, como personalidade, talento, motivação, habilidades cognitivas e biológicas. 

Estão incluídos fatores como abertura a novas experiências, curiosidade, persistência, autoconfiança, senso de identidade criativa e hábitos de trabalho. 

Processo

Engloba os métodos, estágios e técnicas utilizados para gerar, desenvolver e lapidar ideias criativas. O processo criativo pode incluir fases como:

  • Preparação (busca de informações, definição do problema);

  • Incubação (quando o pensamento flui de forma inconsciente);

  • Insight (momento de descoberta ou “eureka”);

  • Verificação (análise crítica e refinamento da ideia).

Elementos do Processo Criativo segundo uma das teorias mais antigas no assunto, de Wallas.

Voltaremos no processo criativo mais tarde. Existem muitas e muitas maneiras de se organizar esse processo, indo desde divergência e convergência (gerar muitas ideias e depois selecionar e aprimorar as melhores) até workshops e dinâmicas diversas. 

Produto

É o que sai do processo criativo: pode ser uma obra de arte, uma invenção tech, uma solução inovadora, um texto, uma estratégia de negócios, uma campanha, uma ideia socialmente relevante, ou… qualquer coisa que seja original e apropriado ao ambiente.

A definição se esse produto é criativo ou não geralmente não é sua, mas sim de outros interlocutores presentes. O produto é a forma pela qual você expressou a sua criatividade

Pressão (ou “Ambiente”)

Esse aqui é o mais mal traduzido. “Press” vem da pressão externa, mas na real quer contar sobre o ambiente - o conjunto de influências externas que modulam ou estimulam a expressão criativa. 

Liberdade para experimentação, tolerância ao risco, diversidade de estímulos, relações interpessoais, normas, condições de trabalho. 

São alguns dos aspectos sociais, culturais, familiares, institucionais e físicos do contexto em que o indivíduo está inserido podem adequar a criatividade para mais ou para menos - e até influenciar o produto final daquela criação.  

Potencial e Persuasão

Além dos 4P’s de Mel Rhodes, uma teoria mais moderna da Universidade de Cambridge ainda adiciona outros dois Ps: potencial e persuasão. 

Potencial é o ponto de partida: é o estado de “possibilidade” dada à pessoa antes mesmo que ela comece a criar. O quanto ela tem de ideias, habilidades, inspirações e recursos internos que pode mobilizar, mas ainda não o fez. O Potencial só vira criatividade quando evolui para uma ideia ou produto claro, compartilhado e validado.

Persuasão é como a gente acha que é: o quanto você consegue convencer alguém de que uma ideia, produto ou solução é de fato criativa. 

“No mundo dos negócios, é inútil ser um pensador criativo e original se você também não consegue vender o que cria.”

David Ogilvy, em “Ogilvy on Advertising

Apresentar, argumentar, demonstrar, defender e iterar a proposta inicial, utilizando habilidades de comunicação, negociação e evidências claras de impacto ou qualidade. Faz parte do trabalho de criar. Logo, faz parte da criatividade. 

Você nasce ou vira alguém criativo?

Resposta unânime entre todos os entrevistados, autores e pesquisadores: criatividade é algo que se desenvolve. Esquece aquela coisa de “exatas versus humanas”. Esquece aquela coisa de “fulano nasceu criativo(a) e eu não”. 

“Criatividade não é privilégio de poucos. É uma capacidade humana treinável. A ciência oferece a base: conexões neurais se fortalecem com repetição e variedade de estímulos. Pelos pressupostos da neuroplasticidade, ela pode ser desenvolvida sim, e há caminhos claros para isso."

Lara Branco, psicóloga

Na verdade, todo mundo nasce criativo, se você for pensar no significado original da palavra. 

Tem um estudo "Test for Creative Thinking" de George Land e Beth Jarman, feito com apoio da NASA (sim, aquela mesmo, dos foguetes e travesseiros) que mostra que 98% das crianças de até 5 anos são classificadas como altamente criativas - ou seja, tinham a capacidade de gerar múltiplas soluções/ideias para um problema.

O problema é daí pra frente: 

  • Aos 10 anos, apenas 30% dessas crianças mantinham esse nível. 

  • Aos 15 anos, só 12% dos indivíduos, já adolescentes. 

  • Aos 25 anos, menos de 2% dos adultos atingiram o mesmo score no teste - aquele mesmo que tinham “gabaritado” quando crianças. 

“De forma geral, isso acontece porque ao longo do tempo vamos sendo “podados” com os “isso não pode”, “isso não dá”, “não faça isso”, além dos padrões em casa e na escola que precisamos nos encaixar.

Mais tarde, a depender da atuação profissional, desenvolvemos essa capacidade por meio da intencionalidade e o aumento do nosso repertório, do olhar o mundo de forma diferente e de muito treino. 

Ou seja, quanto maior a curiosidade intelectual e nosso conhecimento de múltiplos temas e áreas, maior será nossa capacidade de conectar informações e criar soluções para problemas.”

Luís Gustavo Lima, executivo

De fato, o ambiente joga contra o mecanismo naturalmente criativo de alguém. 

O medo de represálias ou do julgamento dos outros mina a confiança da pessoa, que passa a buscar as respostas “certas” já definidas em vez de experimentar e, com isso, atrofia a sua habilidade de criar.

Mesmo em ambientes menos propícios, ainda assim dá para despontar um olhar criativo. 

“Pessoas criativas têm um jeito curioso de ver o mundo, questionam o que parece certo, buscam novos caminhos, e não se contentam com o “funciona”. Criatividade está mais no olhar do que na execução”

Rapha Borges

Falando em obstáculos, a vida adulta também não economiza neles não. Todos os entrevistados (LG, Iza, Lara e Rapha) citaram algumas dificuldades comuns. Destilando o que comentaram:

  • Rotina “moedor de carne” sem tempo para pensar criticamente;

  • Medo: de errar, de ser julgado, de arriscar, de exposição, de perder;

  • Pressa e afobação que consomem o oxigênio de uma ideia;

  • Perfeccionismo, ego e excesso de auto-exigência;

  • Excesso de estímulos, dopamina, abas abertas e distrações; 

Mas calma, calma que ainda dá. Vamos atrás dela. Dessa tal Criatividade. 

Em busca da criatividade perdida

Se você entendeu a referência, já tem dor nas costas e colesterol alto

Dá sim para exercitar a criatividade mesmo contra as forças ocultas do cotidiano. Dá sim para tentar ser mais criativo mesmo diante de condições adversas. 

É só buscar com intencionalidade.

Tem uma habilidade que guia tudo: você precisa ser capaz de confiar que consegue. Esse TED Talk do David Kelley explica o que é a confiança criativa. 

Kelley é “só” co-fundador da IDEO, uma das maiores consultorias de design do mundo, e um dos caras que popularizou o design thinking.

E a confiança criativa é o “antídoto” para aquele monte de camadas de julgamento e receio que jogaram por cima da sua criatividade original até enterrá-la. Agora você tem a pá. Desenterre. Como?

Dieta de referências

Good artists copy, great artists steal

Pablo Picasso

Você é o que você come”. Isso é verdade também cognitivamente. O seu cérebro consegue criar a partir de coisas que já viu, ouviu, leu, sentiu, cheirou, experimentou.

Ele é basicamente uma grande máquina de remixar essas informações a partir de novas provocações e contextos. (Dica: o documentário “Everything is a Remix”)

Aquele livrinho de “Roube como um artista”, do Austin Kleon, bebe muito dessa fonte. Não é para copiar o que você vê, ipsis litteris. Mas adaptar ao teu contexto. 

Não tenha vergonha de estudar obsessivamente o trabalho de quem você admira. Desconstrua campanhas que te impressionaram. Analise por que aquele texto funcionou. Entenda a estrutura por trás da apresentação que te convenceu.

Para ter o output, precisa ter o input. E não só técnico. 

“[Para ser criativo, eu] Observo. Leio muito, vejo filmes, escuto conversas na rua. Tudo pode virar ideia. Tento sempre conectar o que vejo com o que faço. E escrevo, porque escrever me ajuda a organizar o pensamento e transformar observação em insight”

Rapha Borges, vencedor do Cannes Lions

Filosoficamente, existe um termo francês chamado de “flaneur”, que designa aquela pessoa que anda sem pressa e sem destino observando o mundo com curiosidade. 

A gente precisa “flanar” um pouco sim. Mas também objetivamente se lotar de boas referências. (Dica: neste episódio do podcast tem uma seção que fala só disso). 

  • Livros, músicas, filmes. 

  • Notícias, campanhas publicitárias, estudos de caso. 

  • Redes sociais, conversas despretensiosas no boteco. 

  • Adesivos de caminhão, piadas de corredor, histórias malucas. 

  • Tudo é insumo. Você precisa colecionar esses insumos como um maníaco.

Anotar situações cotidianas da vida tal qual um comediante de stand-up. Gravar áudios aleatórios com as suas ideias que ainda não fazem sentido. 

E especialmente ter um arquivo de campanhas, estratégias, táticas e textos que você gosta - os redatores chamam isso de swipefile, e geralmente acessam esse cofre antes de começarem a criar do zero. 

[Outra dica: Membro Growth Insight Premium tem acesso a um checklist com mais 13 ações para estimular a criatividade - direto da psicologia.]

Sempre ter perguntas na sua mente

Criatividade é apenas conectar coisas. Quando você pergunta a pessoas criativas como elas fizeram algo, elas se sentem um pouco culpadas porque, na verdade, não fizeram — elas simplesmente enxergaram algo. Depois de um tempo, aquilo pareceu óbvio para elas.”

Steve Jobs (você conhecia a segunda parte da citação?)

Eu pego licença poética aqui para te dar uma lição de criatividade a partir de um dos maiores físicos da história: Richard Feynman (leiam a biografia dele, sério). 

Feynman comenta que uma pessoa precisa brincar com ~12 problemas ao mesmo tempo na sua cabeça. Coisas que acha interessante, problemas de negócio, curiosidades. 

Uma dúzia de perguntas não respondidas. E muita curiosidade para se expor a coisas novas. Então, quando você pega um insumo que “encaixa” com uma das perguntas que você tem aberta na cabeça… As coisas “conectam”. Como dizia Steve Jobs. 

Em tempo: se você está gostando dessa edição, vai curtir também a sobre Aprendizado - Como o Cérebro Aprende.

Gestão da atenção

“Deixamos eles serem improdutivos… Até que uma hora viram produtivos”.

Tem uma cena de Mad Men (que eu não consigo achar de jeito nenhum) que é uma discussão do Don Draper com o CFO da agência dele, que reclama que os redatores não são produtivos, ficam jogando dardo e enrolando o dia inteiro. 

Aí o Don Draper manda essa aqui: 

“We do this better than you. And part of this is letting our creatives be unproductive… until they are.”

Don Draper

Criatividade não é só foco. Tem dispersão também.

Muitas vezes, as melhores ideias vem quando você NÃO está pensando nelas. 

Barbara Oakley, professora de engenharia e autora de "A Mind for Numbers", explica que nosso cérebro opera em dois modos distintos: focado e difuso - de novo, mais um paralelo com o Sistema 1 e Sistema 2 do Kahnemann. 

O modo focado é aquele que você usa agora, lendo este texto, processando informação diretamente. É linear, concentrado, deliberado.

Já o modo difuso é o oposto: disperso, relaxado, sem direção clara.

É quando você está no chuveiro, caminhando sem destino, ou olhando pela janela do ônibus. E é justamente nesse estado que seu cérebro faz as conexões mais improváveis - estimuladas por ter as “perguntas abertas” que acabei de comentar. 

É por isso que tantas pessoas relatam insights criativos durante atividades mundanas: dirigindo, correndo, lavando louça, tomando banho. O cérebro estava trabalhando o tempo todo, mas sem a pressão do foco direto.

Mas a economia moderna não está otimizada para isso

"A pressa é o maior obstáculo. A rotina das agências às vezes não dá tempo de amadurecer uma ideia. Criatividade precisa de espaço pra errar, testar, se contradizer." 

Rapha Borges, publicitário

Além da pressão pelo resultado imediato, a gente vive em uma cultura de hiperestímulo. Isso prejudica o tédio, que é função importante para criar. 

Qualquer fração de segundo sem input — uma fila, uma sala de espera, dois minutos antes de dormir — é imediatamente preenchida pelo celular. E isso mata parte do modo difuso, já que você tá sempre no modo ativo (nem que seja rolando o feed). 

“Grandes ideias vêm do inconsciente. Isso é verdade na arte, na ciência e na publicidade. Mas seu inconsciente precisa estar bem informado ou sua ideia será irrelevante. Encha sua mente consciente de informações, depois desligue o pensamento racional. De repente, se a linha telefônica do inconsciente estiver aberta, surge dentro de você uma grande ideia.”

David Ogilvy, em Ogilvy on Advertising​

Motivação e Ambiente

Motivação intrínseca é o combustível da criatividade. Quando você faz algo porque genuinamente quer, porque aquilo te diverte, te intriga, te desafia de forma prazerosa… você cria melhor.

Existe um limite para o quanto você pode “estimular” a criatividade de alguém sem transformar o ato de criar em simplesmente mais uma tarefa, de acordo com a professora de Harvard Teresa Amabile.  

“Fazemos nosso melhor trabalho quando ele não parece trabalho: ele nos dá significado, prazer e propósito. Quando o desejo não está presente, mas algo ou alguém nos força a realizar uma tarefa criativa, o impacto é prejudicial.”

— Teresa Amabile, Creativity in Context

O que a gente pode e deve fazer é criar um ambiente que estimule a criatividade.

E isso vai desde dar segurança psicológica para a turma (o que afeta a tal da confiança criativa que vimos acima) até reservar espaço para que as pessoas trabalhem no que dá motivação intrínseca para elas.

Exemplo?

O Google e os “20% de tempo” que eles deixavam para que um time trabalhasse em soluções que achassem mais interessantes (Gmail e Google Maps nasceram daí). 

As rotinas de trabalho também podem ajudar.

No “Creativity Inc, livro que fala da história da Pixar, Ed Catmull conta que tinha uma reunião lá chamada de Braintrust, onde os criativos apresentavam roteiros e recebiam feedback brutal sobre os trabalhos que mostravam. 

Era crítica honesta, trocação boa, sem hierarquia nem consequência política. O objetivo era lapidar o trabalho e não amaciar ego. O trabalho que sobrevivesse o Braintrust estava pronto para ser  gravado (Frozen saiu daí, e na primeira versão do roteiro a Elsa era a vilã e não a heroína - Let it go! ). 

 "O maior obstáculo é estar cercado de pessoas que te freiam. Quando você precisa convencer alguém o tempo todo, quando cada ideia vira uma batalha, quando existe uma cultura de apontar culpados — isso destrói a criatividade." 

Izabela Anholett, CTO

Prática deliberada

Por fim, você precisa praticar. Muito. Falamos de neuroplasticidade (a capacidade do cérebro criar novas conexões neurais), mas assim como qualquer músculo, o cérebro só melhora quando ativado. 

Em uma próxima edição eu trago as principais técnicas de processo criativo, mas já dá para pegar algum insumo bom aqui.

Você pode copiar e remixar antes de tentar fazer o seu original. Picasso, Miles Davis, Hemingway, vários outros também copiavam e experimentavam antes de encontrar o seu estilo próprio. 

Conheço um par de redatores que antes de abrir qualquer documento em branco, reescrevem (literalmente) algumas das cartas de vendas e anúncios de maior sucesso que conhecem. 

Uma das técnicas mais consistentes é a do Jerry Seinfeld. Todo dia ele senta e escreve. Pelo menos duas horas. De caneta e bloquinho amarelo. Sem exceção. Ele fala de “não quebrar a corrente”, então todo dia vai lá e marca o X no calendário.  

Ainda sobre prática: a coisa melhora quando você tem sparring. Alguém para conversar, dar feedback, trocar ideia, te ajudar a lapidar e trazer outras perspectivas. 

Restrições propositais também podem ter efeito positivo sobre a criatividade. Como fazer isso com metade do tempo? E metade do budget? E de um jeito diferente? Vai tirando o pensamento da zona de conforto e forçando… novas conexões. A essa hora, você entendeu. 

Por fim - por enquanto

Recapitulando: criatividade é repertório + confiança + gestão de atenção + motivação intrínseca + ambiente favorável + prática deliberada.

Entendemos, absorvemos. Agora é criar. Tem uma diferença enorme entre saber o que significa ser criativo e ser de fato criativo - ou pelo menos trabalhar para tal. Eu ainda volto em algum momento para destrinchar os processos criativos, mas aqui um checklist rápido para você exercitar e desbloquear a sua criatividade: 

Checklist: 7 Práticas para Desbloquear Criatividade

1. Mantenha 12 perguntas abertas na cabeça (Método Feynman) Anote uma dúzia de problemas, curiosidades ou desafios que te intrigam. Deixe-os "fermentando" no segundo plano. Quando você menos esperar - no banho, caminhando, dirigindo - as conexões vão aparecer.

2. Crie seu swipefile de referências Monte um arquivo (físico ou digital) com campanhas, textos, estratégias e ideias que você admira. Antes de criar algo novo, revisite esse cofre. Roube com intenção, adapte ao seu contexto. Remixe.

3. Pratique o tédio intencional 15 minutos por dia sem nada. Sem celular, sem input. Pode ser caminhando, olhando o teto, ou simplesmente sentado. Papel e lápis, no máximo. Deixe o modo difuso do cérebro trabalhar. É ali que as melhores ideias aparecem.

4. Método Seinfeld ("Não quebre a corrente") Escolha UMA prática criativa (escrever, desenhar, fotografar, editar) e faça todo dia. Marque um X no calendário. Objetivo: não quebrar a sequência. Disciplina disfarçada de jogo.

5. Adicione restrições artificiais ao próximo projeto "E se eu tivesse metade do tempo?" "E se só pudesse usar 3 cores?" "E se precisasse explicar em 100 palavras?" Restrições forçam caminhos não-óbvios. Menos pode ser mais.

6. Encontre seu sparring criativo Identifique 1-2 pessoas que podem dar feedback honesto, sem hierarquia, sem ego. Crie seu próprio "Braintrust". O objetivo é lapidar o trabalho, não proteger sentimentos.

7. Proteja seus espaços de motivação intrínseca Identifique qual parte do seu trabalho ainda te diverte genuinamente - aquilo que você faria mesmo sem ser pago. Reserve tempo para isso. É ali que sua criatividade está mais viva.

Me conta depois? 

Até,

PS: Mais uma vez, um agradecimento muuuuuito grande aos entrevistados. Vocês não sabem como me ajudaram e inspiraram. Editar é deixar coisas de fora (que bom que a turma do Premium tem a versão completa), mas tenham certeza de que foram incríveis.

Qual a nota dessa edição?

(pessoas educadas respondem)

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