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Como entrevistar (bem) para contratar em marketing
Um guia prático, baseado em ciência, para quem quer contratar profissionais de marketing de alta performance
🧠 Tempo para escrever: 9 horas | 📖 Tempo de leitura: 11 minutos
✍️ Na última edição: Realidade, Escuta, Compromisso: os gatilhos finais de Confiança
Comentário da última edição:

Nessa edição você vai ler:
A maioria das entrevistas que eu já acompanhei não foram muito diferentes de um bate-papo, um grande teatro onde um lado finge (ou acha) que está avaliando alguma coisa enquanto o outro tenta acertar as respostas de uma prova.
Boas entrevistas são feitas com método, cujo objetivo é revelar competências, caráter e reduzir viéses e incertezas.
Nessa edição organizo em um passo a passo tudo que aprendi nessa década como gestor e nos dois breves anos em que trabalhei no RH - onde, na maior parte desse tempo, fiz apenas entrevistas ruins.
Uma boa entrevista mede o que importa e desvia de algumas armadilhas, então vamos lá.
Processo como um funil de decisão, não um ritual
Seu papel vem muito antes da entrevista, lá no job description e na formatação das etapas de um processo.
Cada etapa deve produzir evidências observáveis das competências da função e possuir critérios objetivos de avaliação.
O processo pode variar conforme a maturidade da sua empresa e a senioridade da posição, mas via de regra segue esse formato:
Screening: contexto, motivação, fit, bloqueios.
Entrevista técnica: perguntas comportamentais e situacionais
Case: problema real simplificado, com prazo e critérios de avaliação definidos.
Entrevista cultural: stakeholders simulam conflitos, alinhamento e trade-offs da posição (nada de avaliar se a pessoa parece boa de se trabalhar junto)
Painel de decisão: notas por critério, apresentação de evidências
O que a evidência mais recente acrescenta ao seu processo de entrevistas
Hartwell, Johnson & Posthuma (2019) compararam, no mesmo estudo aplicado, quatro famílias de perguntas em entrevistas estruturadas:
Past Behavioral (o que você fez)
Situational (o que você faria)
Background (experiências acumuladas)
Job Knowledge (conhecimento técnico aplicado)
Eles identificaram que as 3 primeiras famílias de perguntas são excelentes preditoras de performance e que past behavioral e background possuem relação com turnover.
O artigo organiza tudo em uma matriz 2×2 Foco-Base

Modelo conceitual de perguntas estruturadas
Isso é importante porque a maior parte dos processos tende a explorar “Past Behavioral" e ignorar "Background” por ser inespecífico, tratando as histórias da pessoa como papo de aquecimento.
Abaixo alguns exemplos de pergunta por quadrante:
Past Behavioral (específico/experiência)
“Conte um experimento caro que você cancelou a tempo. Qual evidência te fez cortar, e o que mudou no seu processo?”Situational (específico/conhecimento)
“Sem aumentar budget, como reequilibraria CAC payback entre canais no próximo trimestre? Quais trocas aceitaria?”Background (amplo/experiência)
“Que experiências te tornaram sistematicamente melhor em alinhar Marketing, Produto e Vendas? Como você mede essa evolução?”Job Knowledge (amplo/conhecimento)
“Explique, no nosso contexto, a diferença entre positioning → messaging → copy e como isso muda enablement.”
O que você quer medir, e como pode fazer isso
O padrão-ouro das entrevistas consiste em perguntas e escalas de avaliação padronizadas.
Nada de brainteasers como “quantas bolas de tênis cabem em um fusca” ou perguntas inventadas na hora, tudo isso é pirotecnia.
Contratar em marketing é especialmente difícil porque marketing poe ser muita coisa diferente. Então organizei as competências da área em quatro grandes blocos e desenvolvi perguntas para cada uma delas.
Execução em Growth: domínio de canais, experimentação em escala, aprendizagem coletiva.
Conhecimento sobre clientes: fluência em dados qualitativos/quantitativos, personas e usos, psicologia do usuário.
Estratégia de crescimento: modelo de growth, priorização e roadmap, alocação de recursos.
Comunicação e influência: comunicação estratégica, gestão de stakeholders, liderança.
As competências são sempre acompanhadas de uma escala de avaliação padronizada, sua principal ferramenta para evitar viéses. Essa escala é organizada de 0 a 3
Esse cruzamento de competências e escala de avaliação te permite criar a visão da profissional perfeita e comparar o que você julga ideal com a performance identificada nas entrevistas.

Modelo detalhado das competências
Entrevista estruturada: banco de perguntas e escala de avaliação
Abaixo estão perguntas exemplares (com o que observar) para cada bloco da régua. Todas são comportamentais (o que a pessoa fez) ou situacionais (como faria), e o avaliador deve registrar evidência específica, não impressões vagas.
Competência: Execução em growth
O objetivo é descobrir se a pessoa gera resultado aprendendo rápido e qual é seu domínio das alavancas de crescimento.
Experimentação: “Conte um experimento que falhou e como você mudou o processo depois.”
Domínio de canais: “Qual alavanca em [canal X] a maioria subestima e como você explorou isso?”
Aprendizagem coletiva: “Dê um exemplo em que um aprendizado virou playbook organizacional.”
O que observar: documentação, treinamento dos pares, impacto perene.
Escala de avaliação (0-3):
Nota 0: respostas vagas, generalizadas
Nota 1: resultados pontuais sem método
Nota 2: método consistente e aprendizagem explícita
Nota 3: apresenta método, resultados em escala e impacto em nível organizacional
Competência: Conhecimento sobre clientes
Seu objetivo é comprovar empatia prática, domínio de dados e capacidade de traduzir achados em decisões.
Persona & use cases: “Descreva o dia do nosso usuário primário. Onde seu produto entra 5 minutos antes e 5 minutos depois?”
Dados: “Mostre um caso em que dados qualitativos mudaram uma decisão contra a preferência do time.”
Psicologia do usuário: “Qual viés cognitivo você já explorou eticamente para aumentar conversão? Como mediu efeito?”
Escala de avaliação (0–3):
Nota 0: descrições genéricas
Nota 1: cita dados sem método
Nota 2: conecta dados e informa decisões
Nota 3: transforma insight em roadmap
Competência: Estratégia de crescimento
Um profissional de marketing precisa enxerga o sistema onde está inserido para entender como impacta os resultados da organização, e assim priorizar suas tarefas com rigor e alocar os escassos recursos da área.
Modelo de growth: “Mapeie em palavras nossas métricas motoras e gargalos. Onde apostaria nos próximos 90 dias e por quê?”
Priorização: “Você tem 100 e precisa cortar 30 do budget. O que corta e o que preserva? Quais efeitos espera?”
Alocação: “Conte uma situação em que fez mais com menos: qual foi a lógica de trade-offs?”
Escala de avaliação (0–3):
Nota 0: utiliza muitos jargões e buzzwords
Nota 1: lista táticas
Nota 2: pensa em termos de alavancas, seu impacto e custo
Nota 3: conecta a estratégia ao P&L, defende escolhas difíceis
Competência: Comunicação e influência
Avaliar a capacidade da pessoa em construir narrativas para mobilizar pessoas e gerir stakeholders.
Narrativa: “Explique para um CFO por que manter um canal deficitário faz sentido agora.”
Stakeholders: “Relate um conflito com Vendas ou Produto e como trouxe todos para a mesma mesa.”
Liderança: “Qual foi sua decisão impopular mais recente? Como comunicou e mediu impacto?”
Escala de avaliação (0–3):
Nota 0: respostas defensivas
Nota 1: relatos sem dados
Nota 2: influência baseada em evidências
Nota 3: cria alianças, muda rota e mede adoção
Esse modelo é o substrato a ser adaptado para a realidade da sua organização e as necessidades da posição. Como seu objetivo é a padronização, todas as entrevistas devem seguir no mesmo formato.
O inimigo número 1 das entrevistas: viéses
Todo processo é um imã de vieses.
Veja esse exercício que aplico com meus mentorados:
Currículo 1 | Currículo 2 |
---|---|
35 anos | 35 anos |
10+ anos em mkt | 10+ anos em mkt |
Recomendado por mim para a vaga | Recomendado por mim para a vaga |
QI 128 (superdotação) | Origem humilde, com tatuagens |
Formado FGV | Primeiro graduado da família |
Louvor no TCC | Formado em ADM |
2x Medalhista na Olimpíada Brasileira de Astronomia | Demitido do emprego |
Quem você contrataria para liderar seu marketing? Relaxa, não tem pegadinha.
Com base nessas informações, eu contrataria a pessoa 01.
Qual é o problema, então? As duas colunas descrevem a mesma pessoa: eu.
Ao comparar elementos que não podem ser comparados, tendemos a achar que o currículo 1 é superior ao 2, esses são os nossos viéses gritando. Mas, na verdade, nenhum dos elementos listados é um ótimo preditor de performance.
Entre os viéses mais comuns estão:
Afinidade: “gosto porque parece comigo”.
Efeito Halo: um item brilhante contamina o todo.
Conformidade: repetir a opinião da pessoa mais influente.
Contraste: avaliar um candidato pelo anterior, não pela régua.
Confirmatório: procurar evidência que confirma a hipótese inicial.
HIPPO (Highest Paid Person’s Opinion): a opinião do mais bem pago domina.
E esses são apenas alguns, abaixo você o mapa completo dos viéses e entende porque é impossível vence-los.

Bom, não temos como evitá-los… mas ao reconhece-los podemos construir ferramentas que reduzem sua influência.
Padronize as perguntas e a escala: Entrevistas estruturadas superam as informais em validade preditiva e justiça. A estrutura não “engessa”, ela protege a decisão contra vieses e aumenta a comparabilidade entre candidatos.
Cuidado com penalidades invisíveis: Há evidência sólida de discriminação por raça em currículos idênticos com nomes diferentes e de penalidade de maternidade em avaliações e propostas salariais. Mecanismos cegos, comparações lado a lado e escala de avaliação reduzem esses efeitos
Decida por evidência: Implemente debrief assíncrono (cada avaliador envia nota e evidências antes da conversa), comitê em vez de decisão solo.
Como treinar entrevistadores
Realizar entrevistas é uma habilidade que sofre muito com o clássico Efeito Dunning-Kruger, onde a maioria das pessoas se auto-avalia muito mais competente do que de fato é.
Não é pra menos, as pessoas assumem suas primeiras posições de lideranças sem nunca terem entrevistado alguém, mas logo precisam realizar contratações e tudo que possuem de conhecimento vem do que viveram do outro lado da mesa.
Aqui estão algumas formas de melhorar a capacidade da liderança:
Treinamento técnico: objetivos da vaga, competências, técnicas de escuta, perguntas proibidas, como anotar evidências.
Shadowing: 2 entrevistas observando, 2 entrevistas conduzindo com supervisão.
Kit do entrevistador: roteiro, perguntas, escalas, exemplos de boas evidências, formulário de notas.
Espero que encontre nesse artigo uma forma de melhorar suas entrevistas (e até mesmo suas respostas ao ser entrevistado) de forma técnica e planejada.
Até a próxima quinta, 10h07.

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