Como entrevistar (bem) para contratar em marketing

Um guia prático, baseado em ciência, para quem quer contratar profissionais de marketing de alta performance

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✍️ Na última edição: Realidade, Escuta, Compromisso: os gatilhos finais de Confiança

Comentário da última edição:

Nessa edição você vai ler:

A maioria das entrevistas que eu já acompanhei não foram muito diferentes de um bate-papo, um grande teatro onde um lado finge (ou acha) que está avaliando alguma coisa enquanto o outro tenta acertar as respostas de uma prova.

Boas entrevistas são feitas com método, cujo objetivo é revelar competências, caráter e reduzir viéses e incertezas.

Nessa edição organizo em um passo a passo tudo que aprendi nessa década como gestor e nos dois breves anos em que trabalhei no RH - onde, na maior parte desse tempo, fiz apenas entrevistas ruins.

Uma boa entrevista mede o que importa e desvia de algumas armadilhas, então vamos lá.

Processo como um funil de decisão, não um ritual

Seu papel vem muito antes da entrevista, lá no job description e na formatação das etapas de um processo.

Cada etapa deve produzir evidências observáveis das competências da função e possuir critérios objetivos de avaliação.

O processo pode variar conforme a maturidade da sua empresa e a senioridade da posição, mas via de regra segue esse formato:

  1. Screening: contexto, motivação, fit, bloqueios.

  2. Entrevista técnica: perguntas comportamentais e situacionais

  3. Case: problema real simplificado, com prazo e critérios de avaliação definidos.

  4. Entrevista cultural: stakeholders simulam conflitos, alinhamento e trade-offs da posição (nada de avaliar se a pessoa parece boa de se trabalhar junto)

  5. Painel de decisão: notas por critério, apresentação de evidências

O que a evidência mais recente acrescenta ao seu processo de entrevistas

Hartwell, Johnson & Posthuma (2019) compararam, no mesmo estudo aplicado, quatro famílias de perguntas em entrevistas estruturadas:

  1. Past Behavioral (o que você fez)

  2. Situational (o que você faria)

  3. Background (experiências acumuladas)

  4. Job Knowledge (conhecimento técnico aplicado)

Eles identificaram que as 3 primeiras famílias de perguntas são excelentes preditoras de performance e que past behavioral e background possuem relação com turnover.

O artigo organiza tudo em uma matriz 2×2 Foco-Base

Modelo conceitual de perguntas estruturadas

Isso é importante porque a maior parte dos processos tende a explorar “Past Behavioral" e ignorar "Background” por ser inespecífico, tratando as histórias da pessoa como papo de aquecimento.

Abaixo alguns exemplos de pergunta por quadrante:

  • Past Behavioral (específico/experiência)
    “Conte um experimento caro que você cancelou a tempo. Qual evidência te fez cortar, e o que mudou no seu processo?”

  • Situational (específico/conhecimento)
    “Sem aumentar budget, como reequilibraria CAC payback entre canais no próximo trimestre? Quais trocas aceitaria?”

  • Background (amplo/experiência)
    “Que experiências te tornaram sistematicamente melhor em alinhar Marketing, Produto e Vendas? Como você mede essa evolução?”

  • Job Knowledge (amplo/conhecimento)
    “Explique, no nosso contexto, a diferença entre positioning → messaging → copy e como isso muda enablement.”

O que você quer medir, e como pode fazer isso

O padrão-ouro das entrevistas consiste em perguntas e escalas de avaliação padronizadas.

Nada de brainteasers como “quantas bolas de tênis cabem em um fusca” ou perguntas inventadas na hora, tudo isso é pirotecnia.

Contratar em marketing é especialmente difícil porque marketing poe ser muita coisa diferente. Então organizei as competências da área em quatro grandes blocos e desenvolvi perguntas para cada uma delas.

  • Execução em Growth: domínio de canais, experimentação em escala, aprendizagem coletiva.

  • Conhecimento sobre clientes: fluência em dados qualitativos/quantitativos, personas e usos, psicologia do usuário.

  • Estratégia de crescimento: modelo de growth, priorização e roadmap, alocação de recursos.

  • Comunicação e influência: comunicação estratégica, gestão de stakeholders, liderança.

As competências são sempre acompanhadas de uma escala de avaliação padronizada, sua principal ferramenta para evitar viéses. Essa escala é organizada de 0 a 3

Esse cruzamento de competências e escala de avaliação te permite criar a visão da profissional perfeita e comparar o que você julga ideal com a performance identificada nas entrevistas.

Modelo detalhado das competências

Entrevista estruturada: banco de perguntas e escala de avaliação

Abaixo estão perguntas exemplares (com o que observar) para cada bloco da régua. Todas são comportamentais (o que a pessoa fez) ou situacionais (como faria), e o avaliador deve registrar evidência específica, não impressões vagas.

Competência: Execução em growth

O objetivo é descobrir se a pessoa gera resultado aprendendo rápido e qual é seu domínio das alavancas de crescimento.

Experimentação: “Conte um experimento que falhou e como você mudou o processo depois.”

Domínio de canais: “Qual alavanca em [canal X] a maioria subestima e como você explorou isso?”

Aprendizagem coletiva: “Dê um exemplo em que um aprendizado virou playbook organizacional.”

O que observar: documentação, treinamento dos pares, impacto perene.

Escala de avaliação (0-3):

  • Nota 0: respostas vagas, generalizadas

  • Nota 1: resultados pontuais sem método

  • Nota 2: método consistente e aprendizagem explícita

  • Nota 3: apresenta método, resultados em escala e impacto em nível organizacional

Competência: Conhecimento sobre clientes

Seu objetivo é comprovar empatia prática, domínio de dados e capacidade de traduzir achados em decisões.

Persona & use cases: “Descreva o dia do nosso usuário primário. Onde seu produto entra 5 minutos antes e 5 minutos depois?”

Dados: “Mostre um caso em que dados qualitativos mudaram uma decisão contra a preferência do time.”

Psicologia do usuário: “Qual viés cognitivo você já explorou eticamente para aumentar conversão? Como mediu efeito?”

Escala de avaliação (0–3):

  • Nota 0: descrições genéricas

  • Nota 1: cita dados sem método

  • Nota 2: conecta dados e informa decisões

  • Nota 3: transforma insight em roadmap

Competência: Estratégia de crescimento

Um profissional de marketing precisa enxerga o sistema onde está inserido para entender como impacta os resultados da organização, e assim priorizar suas tarefas com rigor e alocar os escassos recursos da área.

Modelo de growth: “Mapeie em palavras nossas métricas motoras e gargalos. Onde apostaria nos próximos 90 dias e por quê?”

Priorização: “Você tem 100 e precisa cortar 30 do budget. O que corta e o que preserva? Quais efeitos espera?”

Alocação: “Conte uma situação em que fez mais com menos: qual foi a lógica de trade-offs?”

Escala de avaliação (0–3):

  • Nota 0: utiliza muitos jargões e buzzwords

  • Nota 1: lista táticas

  • Nota 2: pensa em termos de alavancas, seu impacto e custo

  • Nota 3: conecta a estratégia ao P&L, defende escolhas difíceis

Competência: Comunicação e influência

Avaliar a capacidade da pessoa em construir narrativas para mobilizar pessoas e gerir stakeholders.

Narrativa: “Explique para um CFO por que manter um canal deficitário faz sentido agora.”

Stakeholders: “Relate um conflito com Vendas ou Produto e como trouxe todos para a mesma mesa.”

Liderança: “Qual foi sua decisão impopular mais recente? Como comunicou e mediu impacto?”

Escala de avaliação (0–3):

  • Nota 0: respostas defensivas

  • Nota 1: relatos sem dados

  • Nota 2: influência baseada em evidências

  • Nota 3: cria alianças, muda rota e mede adoção

Esse modelo é o substrato a ser adaptado para a realidade da sua organização e as necessidades da posição. Como seu objetivo é a padronização, todas as entrevistas devem seguir no mesmo formato.

O inimigo número 1 das entrevistas: viéses

Todo processo é um imã de vieses.

Veja esse exercício que aplico com meus mentorados:

Currículo 1

Currículo 2

35 anos

35 anos

10+ anos em mkt

10+ anos em mkt

Recomendado por mim para a vaga

Recomendado por mim para a vaga

QI 128 (superdotação)

Origem humilde, com tatuagens

Formado FGV

Primeiro graduado da família

Louvor no TCC

Formado em ADM

2x Medalhista na Olimpíada Brasileira de Astronomia

Demitido do emprego

Quem você contrataria para liderar seu marketing? Relaxa, não tem pegadinha.
Com base nessas informações, eu contrataria a pessoa 01.

Qual é o problema, então? As duas colunas descrevem a mesma pessoa: eu.

Ao comparar elementos que não podem ser comparados, tendemos a achar que o currículo 1 é superior ao 2, esses são os nossos viéses gritando. Mas, na verdade, nenhum dos elementos listados é um ótimo preditor de performance.

Entre os viéses mais comuns estão:

  • Afinidade: “gosto porque parece comigo”.

  • Efeito Halo: um item brilhante contamina o todo.

  • Conformidade: repetir a opinião da pessoa mais influente.

  • Contraste: avaliar um candidato pelo anterior, não pela régua.

  • Confirmatório: procurar evidência que confirma a hipótese inicial.

  • HIPPO (Highest Paid Person’s Opinion): a opinião do mais bem pago domina.

E esses são apenas alguns, abaixo você o mapa completo dos viéses e entende porque é impossível vence-los.

Bom, não temos como evitá-los… mas ao reconhece-los podemos construir ferramentas que reduzem sua influência.

  1. Padronize as perguntas e a escala: Entrevistas estruturadas superam as informais em validade preditiva e justiça. A estrutura não “engessa”, ela protege a decisão contra vieses e aumenta a comparabilidade entre candidatos.

  2. Cuidado com penalidades invisíveis: Há evidência sólida de discriminação por raça em currículos idênticos com nomes diferentes e de penalidade de maternidade em avaliações e propostas salariais. Mecanismos cegos, comparações lado a lado e escala de avaliação reduzem esses efeitos

  3. Decida por evidência: Implemente debrief assíncrono (cada avaliador envia nota e evidências antes da conversa), comitê em vez de decisão solo.

Como treinar entrevistadores

Realizar entrevistas é uma habilidade que sofre muito com o clássico Efeito Dunning-Kruger, onde a maioria das pessoas se auto-avalia muito mais competente do que de fato é.

Não é pra menos, as pessoas assumem suas primeiras posições de lideranças sem nunca terem entrevistado alguém, mas logo precisam realizar contratações e tudo que possuem de conhecimento vem do que viveram do outro lado da mesa.

Aqui estão algumas formas de melhorar a capacidade da liderança:

Treinamento técnico: objetivos da vaga, competências, técnicas de escuta, perguntas proibidas, como anotar evidências.

Shadowing: 2 entrevistas observando, 2 entrevistas conduzindo com supervisão.

Kit do entrevistador: roteiro, perguntas, escalas, exemplos de boas evidências, formulário de notas.

Espero que encontre nesse artigo uma forma de melhorar suas entrevistas (e até mesmo suas respostas ao ser entrevistado) de forma técnica e planejada.

Até a próxima quinta, 10h07.

Qual a nota dessa edição?

(pessoas educadas respondem)

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