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✍️ Na última edição: A estréia do podcast (ep #001: marketing é negócio)
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Eu tenho trabalhado como advisor para um grupo diverso de empresas - universidade, clínica dermatológica, ótica, proteção veicular e algumas startups - cada uma com seus próprios desafios e diferentes níveis de maturidade em marketing e faturamentos que variam de 10M a 500M por ano.
Ao mesmo tempo, atuo há 6 meses como chief revenue officer da STLFLIX, uma empresa global de impressão 3D, líder em seu segmento.
[Se você quer saber mais sobre meus serviços de advisor, responde esse e-mail ou manda uma DM]
E, apesar das diferenças, em todos os casos, construir ou refinar o ICP (perfil do cliente ideal) trouxe impactos diretos nos resultados dessas empresas.
Mas a realidade é muito diferente. O conceito de ICP é subvalorizado, fragmentado e mal visto dentro das empresas.
Carla, 29, ama café e faz yoga
A função prática do ICP é econômica e organizacional: descrever quais clientes tem maior probabilidade de extrair valor do seu produto e gerar retorno ao negócio e utilizar isso para informar as decisões de produto, preço, canais e processos.
Mas o modelo com viés psicográfico comunicado como ‘persona’ está muito distante dessa função, por dois grandes motivos:
Elementos demográficos como idade, gênero e renda são insuficientes para informar decisões.
Elementos não-demográficos como valores e preferências, que costumavam ser mais influentes no processo de compra, são incapazes de prever o que determinado agrupamento de pessoas compraria.
Em resumo, os dentes amarelados, a flexibilidade de Carla e seus planos para o #trintou são quase irrelevantes sob a ótica econômica e organizacional, por isso ninguém vai levar a série o one-pager da Carla nas reuniões de diretoria.
E como nenhuma liderança confia nisso, nenhuma decisão é pautada em Carla, construída com esmero durante meses para ser esquecida em uma gaveta qualquer do time de marketing.
Então como construir segmentações inteligentes capazes de alinhar a organização e aumentar até mesmo a receita da organização?
Scorecard do ICP orientado a valor
Uma boa segmentação exige encontrar padrões entre seus clientes, geralmente encontrados a partir dos dados de vendas da sua empresa, monitoramento de tendências e pesquisas qualitativas.
De forma simplificada, você quer responder 3 perguntas:
Quais clientes são lucrativos?
Quais atitudes importam para a decisão de compra?
O que meus clientes estão fazendo?
O formato de scorecard é uma arquitetura integradora eu desenvolvi para unir vários conceitos que julgo influentes na formação o seu ICP: Jobs to be Done, Prova de preferência, Category Entry Points (CEPs) e Unit Economics.
Abaixo eu descrevo como utilizar cada conceito de forma simplificada.
#1 Jobs to be Done: motivo que explica atitude
ICP bom não nasce de atributos estáticos de pessoas, mas de situações que estimulam a compra e do progresso que o usuário tenta conquistar naquele momento.
É isso que Jobs to Be Done (JTBD) coloca no centro: as pessoas não “compram” um produto, elas contratam um resultado desejado sob circunstâncias específicas, com restrições concretas (tempo, ambiente, atenção, dispositivo, risco percebido).
Traduzir ICP para a gramática JTBD troca o viés discricionário de uma persona pela análise do comportamento. Um JTBD completo combina quatro peças:
situação (o contexto gatilho)
progresso (resultado funcional, social e emocional)
restrições (tempo, dispositivo, ambiente, habilidade, risco)
alternativas (o que hoje “substitui” seu produto, inclusive não fazer nada).
Com isso seu ICP vai de “Mulheres 25–34, classe B, amantes de design”, um retrato genérico de um indivíduo, para a história “Quando acabo o expediente e tenho 12 minutos no ônibus, quero produzir ‘um post decente’ sem parecer amadora”.
Essa mudança explica quando, onde, com que atritos e qual ‘progresso’ a pessoa busca. O ICP, então, deixa de ser “público X” e vira:
Pessoas em [situações de alta incidência e valor], nas quais nosso produto reduz as fricções dominantes e entrega o salto de progresso percebido mais rápido que as alternativas.
#2 Prova de preferência: validação do JTBD
O JTBD cria uma tese comportamental e a prova de preferência é o experimento que tenta derrubá-la.
A ideia é simples: forçar escolhas entre alternativas para medir trade-offs e medir quanto vale cada atributo seu ICP. É como tentar descobrir o “preço” que o seu público paga pela proposta de valor - conveniência, garantia, velocidade, integração, status, suporte.
O melhor jeito de executar essa etapa é através de um cojoint test, onde o usuário vê ofertas hipotéticas atreladas a diferentes atributos, como preço, prazo de entrega, garantia, etc.
Essas ofertas são mostradas em pares e o usuário escolhe uma opção de cada vez. Escolha 5-8 atributos e vá combinando-os de forma aleatória e anote quem vence quem, assim você poderá calcular quanto cada atributo aumenta ou diminui a probabilidade de escolha, criando uma hierarquia.
Regra prática de amostra: 150–300 respondentes bem recrutados por ICP candidato já dão sinal utilizável em estudos.
#3 CEP: Category Entry Points
Esse é o conceito que eu mais gosto, desenvolvido pela Romaniuk e Byron Sharp, CEPs são gatilhos situacionais que ativam a lembrança de uma categoria.
A ideia é simples: quanto mais CEPs sua marca possui, maior é a disponibilidade mental ocupada por ela.
Isso é importante na construção do seu ICP porque além de com “quem” falar, é fundamental acertar "quando” falar. O objetivo é mapear a jornada de compra pela ótica do cliente.
Seu objetivo é mapear os padrões em cinco esferas diferentes:
temas recorrentes de motivo (ex.: urgência, economia, status)
contextos (no trânsito, no trabalho, à noite)
restrições (sem cartão, sem internet, silêncio)
companhias (sozinho, com a equipe, com a família)
requisitos (tem que integrar com X)
Interprete CEPs como a porta por onde as pessoas pensam em uma categoria de produto. Sob a lógica do ICP, seu papel é priorizar os CEPs mais relevantes, para isso o B2B Institute do LinkedIn concebeu a ideia dos 3C's
Credibilidade: identifica a influência da marca em cada situação, te ajudando a eliminar as opções menos viáveis por causa do seu produto/serviço;
Competição: identifica a influência de concorrentes e evitar CEPs congestionados onde todo mundo anuncia a mesma mensagem;
Comunalidade: identifica quão comum é um CEP e qual o share das vendas que ele representa. Você quer estar em um contexto rentável.

CEPs deixam seu ICP ainda mais específico e, principalmente em um ambiente com restrições, te permite focar em contextos mais abundantes e economicamente férteis.
#4 Unit Economics
Definir “quem” sem checar “quanto” é romantizar mercado. O recorte certo do ICP só existe se fecha a conta. Devemos provar isso com 3 unit economics: LTV, CAC e payback.
Vamos aprofundar a lógica, as medições e as decisões práticas que ligam ICP a dinheiro no caixa.
LTV (lifetime value) é o valor presente da margem bruta que um cliente gera ao longo do relacionamento.

Com LTV na mão, compare com CAC (Customer Acquisition Cost) para o mesmo ICP.
Lembre que CAC não é só mídia, inclua o que é incremental para converter aquele ICP (mídia, comissão, SDR alocado, taxas de plataforma, incentivos; sem inflar com custos fixos de overhead).
Três decisões saem daqui:
LTV/CAC: a literatura recomenda ≥ 3:1, mas essa relação pode variar de acordo com seu modelo de negócios.
Payback de CAC: meses até o cumulativo de margem pagar o CAC. Se passa do que sua tesouraria tolera (ex.: > 6–9 meses em caixa apertado), não funcionará.
Sensibilidade: teste estresse em churn + preço + CAC. Se uma variação realista de +10% no churn ou de +15% no CAC derruba a razão abaixo LTV/CAC, esse ICP é frágil e precisa de melhorias antes de escalar.
Tenho um ICP bem definido?
ICP é falsificável e geralmente se resume a uma persona simpática, mas pode ser central na estratégia de negócios, informando quem entra, quem sai, quanto custa trazer, quanto dinheiro volta e em quanto tempo.
Cada conceito do scorecard visa limitar o poder das opiniões e fortalecer a definição do seu cliente ideal.
JTBD definem o porquê, preferência valida sua tese, CEPs definem o contexto e unit economics dão o veredito: eu sei a quem devo servir.
Na prática, um ICP bem definido soa assim:
“usuários que enfrentam [situação]
pelo menos [X] vezes ao mês,
sentem [dor] com intensidade [Y],
aceitam pagar [preço] quando [proposta de valor] está presente,
e podem ser alcançados por [canal] com um LTV/CAC de [número]”.
Até a próxima quinta, 10h08
