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Guia prático para identificar sua hipótese de valor e product-market fit

PMF é o conceito mais importante e, ao mesmo tempo, o mais subestimado.

🧠 Tempo para escrever: 11 horas | 📖 Tempo de leitura: 18 minutos
✍️ Na última edição: Meu funil quebrou, como saber onde está o problema?

Comentário da última edição:

Product-market fit é o conceito mais importante de todos para startups. Mais importante até mesmo que outros conceitos como inbound, growth hacking e product-led growth.

Marc Andreessen popularizou o termo em 2007 com o artigo The only thing that matters, uma homenagem ao corolário de Andy Rachleff, fundador da Benchmark Capital, sobre startups de sucesso:

"The only thing that matters is getting to product/market fit".

No campo teórico, todo mundo está convencido sobre a importância do PMF e concorda com frases do tipo “product-market fit primeiro, crescimento depois".

Mas o mundo real é bruto e espreme founders e profissionais de marketing em busca de resultados rápidos e praticamente os obriga a atropelar/ignorar a busca por PMF.

Product-market fit é o conceito mais importante de todos para startups. E também o mais subestimado.

O que realmente é product-market fit?

O conceito de product-market fit foi desenvolvido como parte da tese de investimentos de Rachleff (Benchmark Capital) e Don Valentine (Sequoia), construída em torno da validação de uma "hipótese de valor".

A value hypothesis is an attempt to articulate the key assumption that underlies why a customer is likely to use your product. Identifying a compelling value hypothesis is what I call finding product/market fit.

Andy Rachleff

De acordo com a definição de Rachleff, uma hipótese de valor busca identificar qual produto você precisa construir, qual é o público tende a se importar com isso e qual é o modelo de negócio que viabiliza a compra.

Em outras palavras, PMF consiste em identificar uma audiência que tem um problema que vale a pena ser resolvido.

Sob a luz das palavras de Rachleff, fica evidente o motivo pelo qual é tão difícil conectar a teoria (o conceito mais importante) com a prática (o conceito mais subestimado): PMF é a consequência do processo de identificação de uma hipótese de valor forte.

Uma startup que visa prematuramente uma meta de crescimento muitas vezes acaba criando um produto nebuloso que alguns usuários gostam e encobre isso com ‘growth hacking’. Isso funciona – pelo menos, enganará os investidores por um tempo até que eles comecem a investigar os números de retenção – mas, eventualmente, a música para”

Sam Altman, CEO da OpenAI, ex-presidente da YCombinator.

Os 3 elementos práticos do product-market fit

“The #1 company-killer is lack of market. When a great team meets a lousy market, market wins. When a lousy team meets a great market, market wins. When a great team meets a great market, something special happens.”

Andy Rachleff

Existem três elementos centrais que definem uma hipótese de valor e estabelecem o processo que ajudará founders e marqueteiros a identificarem PMF: uma proposta de valor convincente, uma segmentação de clientes detalhada e um modelo de negócios convincente.

1. Uma proposta de valor convincente (the features you need to build)

Seu produto foi criado para resolver um problema, não importa se ele é apenas um MVP ou se você tem um punhado de clientes, você identificou um problema e acredita vale a pena resolve-lo.

Nesse cenário, um dos maiores desafios das startups é traduzir essa relação problema-solução em uma proposta de valor.

Acostumados a vender seu sonho para VCs, fundadores tendem a ser aspiracionais e a a confundir visão com solução, abusando de promessas inspiradoras e palavras vazias para explicar ao mercado o que a sua empresa faz.

Seus investidores querem saber onde você estará nos próximos 5 anos. Seu mercado quer saber o que você entrega agora.

É product-market fit, não product-capital fit.

Uma proposta de valor convincente pode ser criada a partir de 3 eixos: um problema grande em um mercado específico comunicado de forma óbvia.

  1. Um problema grande: essa é clássica analogia da aspirina vs. suco de laranja, ninguém corre pro mercado quando está com enxaqueca. Não importa quão competente você é, se o seu produto é apenas nice-to-have, sua proposta de valor será fraca.

  2. Um mercado específico: é contra-intuitivo, mas uma boa proposta de valor deve ser irrelevante para a maioria das pessoas, esse é o preço a se pagar por uma mensagem visceral para um pequeno grupo de indivíduos.

  3. Comunicação óbvia: uma proposta de valor deve ser entregue hoje. Use palavras simples pra explicar o que é o produto e o que o seu cliente pode fazer com ele e guarde o futuro para investidores.

2. Uma segmentação de clientes detalhada e específica (the audience that’s likely to care)

O segundo passo em direção ao product-market fit é encontrar um pequeno grupo de pessoas que compartilha uma dor específica e tenta resolve-la por caminhos semelhantes.

Uma proposta de valor excepcional apresentada para o público errado é uma proposta de valor ruim.

Aqui você não quer atender uma audiência que você conhece bem, você quer chegar na audiência desesperada por uma solução.

Na busca por PMF, seu objetivo é encontrar UM segmento que representa 100% da sua receita, não é ter 5 nichos diferentes com 20% cada.

Nesse momento você não quer 100, 1.000, 10.000 clientes. Você quer apenas o próximo cliente. Sua missão é conquistar poucos fãs, amantes, clientes fiéis. Nesse momento você prioriza excelência e retenção, não diversificação e escala.

No livro Crossing the Chasm, Geoffrey Moore está alinhado com Andy Rachleff sobre a importância de grandes mercados potenciais, e explica como a aquisição é influenciada pelos cinco perfis de clientes e que, por avançar nos mercados sem PMF, não conseguem cruzar o abismo entre early adopters e early majorities.

O “buraco” citado por Moore é entre a parte amarela e a verde do gráfico.

Nessa etapa, refinar para quem você vende é mais importante do que melhorar o que você vende. Uma vez que o foco em determinado nicho está pacificado, o modelo de negócios precisa ser criado com esse grupo em mente.

3. O modelo de negócios convincente (The business model required to entice a customer to buy your product)

Parte mandatária da jornada ao product-market fit é ter clientes pagantes. Ainda assim, o modelo de monetização das empresas segue duas linhas majoritárias: inventado do nada ou copiado da concorrência.

O primeiro problema é confundir monetização com precificação, mas quanto você cobra é apenas um entre quatro fatores da monetização, quem pensa somente em preço se limita a aumentar ou diminuir valores.

Os outros fatores são:

  • Como você cobra (assinatura, transação…),

  • Quando você cobra (antecipado, trial, premium…)

  • E o que você cobra (funcionalidades, usuários, acesso…).

Essa combinação é fundamental na busca do product-market fit porque a combinação desses quatro fatores define o nível de fricção no processo de compra do seu produto.

Um modelo de monetização de alta fricção pode matar sua busca por PMF.

Um modelo mal estruturado pode ser confundido com um produto que custa caro, pressiona pela redução dos preços, inviabiliza o negócio e chega-se a conclusão: ninguém quer pagar por isso.

Com uma proposta de valor convincente, aplicada a uma segmentação de clientes detalhada e específica com um modelo de monetização alinhado à audiência você tem os elementos necessários para medir e determinar a existência de product-market fit.

A busca por product-market fit é complexa, inconstante e eterna

Poucas pessoas teriam coragem de apostar seus cargos afirmando que seus negócios possuem product-market fit.

The number one problem I’ve seen for startups, is they don’t actually have product/market fit, when they think they do.

Alex Schultz

O próprio Andreessen trata o assunto de forma etérea quando diz que PMF é algo que você sente: “You can always feel when product/market fit isn’t happening […] And you can always feel product/market fit when it’s happening"

Essa complexidade foi constatada num estudo que encontrei na Lenny's Newsletter sobre 24 startups, e quanto tempo elas demoraram entre a criação do produto, o primeiro cliente e a primeira vez que sentiram PMF.

Lenny's Newsletter

Três dados importantes podem ser extraídos desse gráfico pelo próprio Lenny:

  1. O tempo médio entre a ideia e a sensação de adequação do produto ao mercado foi de aproximadamente 2 anos.

  2. Leva de 9 a 18 meses entre ter um produto funcional e a sensação de product-market fit.

  3. Algumas empresas – Figma, Airtable, Slack – levaram mais de 4 anos para encontrar o PMF.

Quando eu estava na Swile, cancelamos o lançamento de um produto no Brasil por falta de PMF. Era um produto que existia há 6 anos na França, que recebeu aportes milionários antes de ser comprado pela Swile e com centenas de empresas pagando por ele.

Como pode um produto ter tudo isso e não ter PMF? Na época meu CEO global explicou a decisão de postergar o lançamento: “ter história, dinheiro ou receita não significa ter product-market fit. O NPS mostra que nossos clientes não estão satisfeitos".

Disrupção relâmpago powered-by AI

E isso tudo foi catalisado pelos avanços em inteligência artificial, que vem disruptando empresas em todos os segmentos e indústrias.

Uma das primeiras mudanças provocadas pela IA é a aceleração brutal do ciclo “problema → solução”. Com modelos fundacionais e plataformas low-code, um MVP que antes levava meses agora pode ser colocado no ar em poucas horas.

Isso faz com que novas formas de resolver velhos problemas cheguem ao mercado com muita velocidade e potencial de mudar o comportamento do seu usuário, enfraquecendo uma hipótese de valor.

Em paralelo, surge o chamado AI dividend: ficou barato construir e caro defender. Como qualquer funcionalidade pode ser clonada, sua diferenciação pode evaporar nos próximos seis meses ou menos.

Essa facilidade de cópia promove o colapso repentino do PMF. Produtos que pareciam sólidos sofrem quedas bruscas de retenção quando surge uma alternativa IA melhor ou gratuita (quantas empresas o ChatGPT quebrou?).

PMF nunca foi binário, mas agora sua “meia-vida” encurtou demais. Para planejar uma defesa vale aplicar um “teste de erosão”: se alguém copiar seu produto amanhã, seus usuários continuam com você?

O lado positivo é que a IA vai acelerar sua própria validação de mercado. Ferramentas generativas criam personas sintéticas, resumem entrevistas e até simulam experimentos A/B, permitindo iterar em horas.

Encontrar PMF é uma jornada longa e complexa e sentir continua sendo mais fácil que medir, então aqui está um passo a passo prático inspirado no case da Superhuman e uma lista com as principais métricas diretamente correlacionadas com PMF.

Guia prático para identificar product-market fit

Existes dois caminhos acionáveis já consolidados (e complementares) para identificar PMF.

O primeiro é a clássica curva de retenção.

Se um produto é útil, as pessoas engajam e a curva de retenção é a principal forma de medir a qualidade dos clientes atuais.

Uma curva em constante declínio revela uma empresa capaz de vender, mas cuja experiência promovida não é boa o suficiente para levar os clientes a novas compras, logo não gera valor diferenciado e, portanto, não possui product-market fit.

Uma curva estabilizada é um bom indicador de que você encontrou a adequação do produto ao mercado em um grupo de usuários.

Uma das primeiras pessoas propor a mensuração do PMF foi Sean Ellis, criador do termo growth hacking, o segundo caminho é conhecido como Sean Ellis Test.

O teste consiste em perguntar “Como você se sentiria se não pudesse mais usar [produto]?” e oferecer três alternativas: muito decepcionado, um pouco decepcionado, nada decepcionado.

Sendo um forte indicador de PMF ter pelo menos 40% das respostas como “muito decepcionado”.

Com base no trabalho de Sean Ellies e Rahul Vohra, CEO da Superhuman, aqui está um passo a passo prático para identificar a hipótese de valor (o que, pra quem, como) que representa seu product-market fit.

Passo 01: Criar o formulário de pesquisa

O objetivo dessa pesquisa é mensurar os interesses dos seus usuários e otimizar suas decisões sobre qual é a hipótese de valor mais forte. Essa pesquisa consiste em 5 perguntas:

  1. Perguntas demográficas. Colete todas as informações relevantes para o seu produto, como cargo, idade, renda, país, plano contratado e qualquer outro dado que te permite fazer correlações com as respostas das próximas perguntas.

  2. Como você se sentiria se não pudesse mais usar [produto]? Defina as respostas possíveis como A. Muito decepcionado, B. Um pouco decepcionado ou C. Nada decepcionado.

  3. Que tipo de pessoa você acha que se beneficiaria mais com [produto]?

  4. Qual é o principal benefício que você recebe do [produto]?

  5. Como podemos melhorar [produto] para você?

A pergunta mais importante da pesquisa é a #1, que avalia a percepção dos usuários. Os “muito decepcionados” te adoram; os “pouco decepcionados” estão em cima do muro; os “não decepcionados” te consideram commodity.

Sucesso é ter 40% de respostas “A” (muito decepcionado), e é em cima desse grupo que vamos realizar outras análises.

O processo consiste em focar em quem respondeu A, e identificar os indecisos que responderam B, mas estão alinhados com A. E ignorar o feedback de quem respondeu C (não decepcionado), eles não valorizam o produto e os comentários deles vão nos distrair da criação de algo excelente para a audiência que nos ama.

Passo 02: Segmentar os muito decepcionados e construir um retrato dos clientes com altas expectativas

Essa etapa nos ajuda a entender as características de quem de fato gosta do serviço e também onde ele está deficitário. Pessoas no plano X tendem a nos valorizar mais? De um país ou cargo específico?

2.1 Identificar os dados demográficos mais comuns entre os respondentes “A”.

2.2 Separar os respondentes por dado demográfico. (Por exemplo, uma análise de percentual da pergunta 1 por plano contratado, país, por cargo,…)

2.3 Ranquear esses recortes pelo percentual de maiores respostas “A” e ver quem está acima e abaixo da média geral, e quem possui 40% ou mais.

Passo 03: Analisar quais são as características de um cliente ideal

Considerando apenas quem respondeu A (pois usuários felizes quase sempre descreverão a si mesmos, usando as palavras que mais importam para eles) analise as respostas da Pergunta 3.

Isso permite que você saiba para quem o produto está funcionando e a linguagem que ressoa com eles, isso fornece insights valiosos para utilizar no marketing, como escolher as melhores palavras para comunicação em geral, de anúncios no Instagram ao pitch comercial em negociações.

Passo 04: Analisar o feedback para identificar o que é mais valorizado pelos usuários

Essa etapa consiste em analisar a pergunta 4 em três grupos diferentes.

4.1 Considerando apenas quem respondeu A, agrupar as respostas semelhantes em categorias/temas. E criar uma nuvem de palavras com base nas respostas dadas para identificar o que está mais presente.

4.2 Fazer o mesmo exercício para quem respondeu B (Um pouco decepcionado) e segmentar esses usuários em dois grupos:

- Quem estiver no grupo B, mas alinhado com o grupo A, merece atenção. Algum detalhe provavelmente os impediu de responder muito decepcionado.

- Quem estiver no grupo B, mas desalinhado com o grupo A, deve ser ignorado. Eles representam uma audiência acessória, pois não desejam o principal benefício que nossa audiência principal valoriza, nesse momento seus feedbacks representam ruído na hora de construir algo que as pessoas vão amar.

Passo 05: Analisar o feedback de melhoria em produto

Analise a pergunta 5 considerando apenas quem respondeu A e quem respondeu B e está alinhado com A na pergunta 4.

5.1 Novamente agrupar as respostas semelhantes em categorias/temas. E criar uma nuvem de palavras com base nas respostas dadas para identificar o que está mais presente.

Resultado do processo

A combinação das perguntas 1 (demografia), 2 (nível de decepção), e 3 (para quem) informa com alto nível de confiança quem é a audiência-alvo da sua hipótese de valor

Já as perguntas 4 (benefício) e 5 (melhorias) informam o que deve ser construído para fortalecer sua hipótese de valor, pois refletem os usuários mais importantes realmente gostam e o que os impedem de amar o seu produto.

Combinando “quem" e "o que" você tem em mãos um potencial roadmap de desenvolvimento de produto focado no que as pessoas que amam o [produto] mais desejam e nos problemas que, quando corrigidos, impactam a experiência do maior número de usuários possível.

Isso permite que que você desenvolva o modelo de negócios ideal para maximizar sua hipótese de valor.

E uma hipótese de valor forte é o que chamamos de product-market fit.

Qual a nota dessa edição?

(pessoas educadas respondem)

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