Os últimos meses foram agitados para quem é fã de Inteligência Artificial (acho que dá para repetir essa frase por um bom tempo). Lançamentos com aquele potencial “isso pode mudar tudo”, um atrás do outro.
Três conceitos te ajudam a entender o que está acontecendo: network effect, principalidade e winner takes all. Vem comigo.
Muitas das big techs que estão à frente da adoção e uso massivo de IA anunciaram novidades que têm uma característica distinta, que vai além do que processamento mais rápido ou qualquer feature. Olha só:
A OpenAI lançou um navegador com ChatGPT integrado, o Atlas
Eles já tinham lançado o Sora 2, rede social e editor de vídeos ultra-realista
O Claude inaugurou um app desktop (integrado com todos seus documentos)
Eles também deixaram o Claude Code aberto na web
O Perplexity anunciou o Comet, browser que também tem IA integrada;
A Meta colocou mais um óculos com IA integrada com a Ray-Ban;
Eles também bloquearam IAs externas dentro do WhatsApp
Fora lançamentos de Apple, Google Gemini, entre outros.
Tem mil outras novidades e eu poderia passar a edição inteira comentando quais são as mais legais, mas quero olhar sob um viés de estratégia. Eu percebi uma coisa (que não é lá nenhum segredo) e quero compartilhar contigo.
Essas grandes alterações que a gente vê são uma corrida frenética pela principalidade. Todos querem ser o ponto número um de acesso e contato - não só à Inteligência Artificial, mas talvez a toda a internet.
Não via uma briga assim há um bom tempo.
Todo mundo está tentando de comer o lanche de todo mundo pela batalha pela sua atenção. Todo mundo querendo ser o canal da “primeira ação”.
Quem se posicionar bem agora na abertura, com tanto mato alto, hábitos em formação/mudança e mercado potencial para capturar, consolida vantagem para tempos vindouros.
(Vindouros. Toma esse vocabulário, redator de IA! Aqui é escrita raiz!)
E nessa edição você aprende tudo sobre esse movimentos.
🧠 Tempo para escrever: 8 horas
📖 Tempo de leitura: 22 minutos
✍️ Na última edição: Planejamento Estratégico que funciona: do diagnóstico à execução
💬Comentário da última edição:

Print direto do YouTube - você já viu o podcast sobre Planejamento Estratégico?
Você vai ler
A estratégia dos gigantes de AI
Eu dei as notícias principais logo na cabeça dessa edição, então deixa eu aprofundar um pouco mais nos números e estratégias de cada um dos grandes players. Isso ajuda a entender um pouco melhor o que estamos vivendo agora.
Percebi uma diferença grande entre os players, que se encaixam basicamente em duas grandes caixinhas: os que já possuem um canal consolidado (por meio de outros produtos) e os que ainda precisam construir esse acesso direto ao cliente.
Sem canal? Ataque ⚔️⚔️[OpenAI, Claude]

ChatGPT Atlas, da OpenAI: ataque aos navegadores
OpenAI, Perplexity e Anthropic (ainda) não têm bilhões de usuários cativos. Precisam criar o hábito do zero. Precisam chegar direto na fonte.
Se você precisa construir um canal, é ataque com toda força (e queima de dinheiro) para criar essa alavanca. Estimular casos de uso com muita intensidade, e tentar estar na cara do consumidor o tempo todo.
A OpenAI lançou o ChatGPT Atlas em outubro com a promessa de ser o novo ponto de entrada da internet.
Hoje você ainda depende de um navegador (provavelmente o Chrome, líder absoluto com 71% de market share) para acessar o site deles. É um ataque direto ao domínio do Google com uma proposta mais robusta (diferente de um Arc Browser da vida que tem uma percepção marginalmente superior pela UX, esse é “muda o jogo”).
We're not just building a better search engine. We're building the interface layer for how people interact with all digital information.
Recentemente, a criadora do ChatGPT fez até uma campanha para televisão - olha só, mídia de massa! E para melhorar, uma campanha feita do “jeito antigo”: criação real, filmagem real, atores reais. Nada de AI gerando vídeo direto não. Narrativa bem humana,
Perplexity foi a primeira a ter o navegador integrado com AI - o Comet. Funciona como um assistente mesmo, rodando em cima do Perplexity Pro. Inclusive, boa parte da pesquisa para essa edição foi feita nele (muito bom pra esse caso de uso, por sinal).
The market of providing answers will become a commodity. What matters is being the default interface.
Eles querem ganhar espaço rápido e virar default, para depois monetizar direito. Já a Anthropic está em uma rota de go-to-market um pouco diferente com o Claude - atacar os casos de uso mais corporativos - 80% da receita deles é enterprise.
Eles estão indo a mercado forte com o Claude Code para atacar o Github e outras ferramentas de desenvolvimento, e agora com um app para desktop (que eu também comecei a usar e funciona legal - melhor caso de uso com eles é o de escrita e revisão de textos, mais refinado que GPT e outros).
Ou seja: quem não tem canal consolidado ainda (e é bizarro falar que o ChatGPT com 800 milhões de usuários ativos por semana se encaixa nessa categoria - já que eles são acessados por outras plataformas) está atacando e queimando caixa para tomar a frente.
Com canal? Defesa🛡️🛡️ [Google, Meta, Apple]
Falando em defesa: tem um trecho no podcast sobre Planejamento Estratégico que fala muito bem de como você usa os seus moats para pensar a estratégia da empresa. Recomendo ouvir aqui
O paralelo que eu mais lembro de quem já tem o canal, coloca um produto ou aplicação nele e vence a batalha justamente por ter uma distribuição absurda é a Microsoft atropelando o Slack mesmo com um produto mais detestado (para não dizer inferior).

A última vez que eu vi esse número estava 320 milhões para o Teams vs 39 milhões para o Slack (2024). Me fala se ter distribuição não é o bicho…
Google, Meta e Apple têm algo em comum: bilhões de usuários que já usam seus produtos todo dia. Eles não precisam convencer ninguém a instalar nada novo. Só precisam integrar IA onde você já está.
Google domina em buscas (92%), tem o navegador mais usado do mundo e 70% da base global de telefones com Android. Não fica muito atrás do ChatGPT com o Gemini (400 milhões de usuários ativos mensais, fora 1,5 bilhão nas buscas com IA).
A estratégia deles têm sido a de integrar o Gemini em todos os serviços, de Gmail ao Google Docs, para aproveitar o tempo que você já passa nessas ferramentas. Similar ao que fizeram com o Google Suite. O canal é sua própria interface.
Mesmo caso da Meta, com mais de 3 bilhões de pessoas no WhatsApp, Instagram e/ou Facebook todo dia. Eles estão tentando atacar hardware também (com o óculos da Ray Ban), mas o caso de uso de maior volume de acordo com o próprio Zuckerberg vai ser o Meta AI integrado no WhatsApp (que até hoje só serviu para ser zoada no grupo do futebol, viu?)
A Apple tem uma defesa em hardware, mas joga mais defensiva e ancorada neles. Lançou fone de ouvido com tradução automática e apostam em processamento on device com Apple Intelligence. Não sei se estão no mesmo nível da corrida, mas contam com um “moat” bem forte por conta do lock-in com iOS e Mac.

Um resuminho da estratégia dos gigantes de IA (feito com IA, olha só)
(Um parêntese): O frenesi de IA tem sido tão grande que o investimento em processamento de dados (datacenters, softwares e toda a parafernalha) é responsável por 92% do crescimento do GDP - o PIB dos Estados Unidos - no ano, diz o Financial Times.
Todo mundo depende de processadores e data centers. Por isso, quem chove de ganhar dinheiro é a NVidia (USD 130,5 bi em 2025, +114%YoY) e os deals bilionários com Azure, AWS e Google Cloud.
Principalidade, Network Effects e “Winner Takes All”: por trás da corrida
Essa sensação de “corrida do ouro” é muito adequada para o cenário competitivo hoje: de fato, quem correr e se posicionar melhor agora tem uma probabilidade enorme de colher frutos desproporcionalmente maiores do que os competidores. Por isso vamos entender principalidade, network effects e situações de “winner takes all”.
Principalidade - a vantagem de ser #1 🥇

Um brasileiro médio tem mais de 6 contas bancárias. Ser a “número um” e principal importa - e muito - financeiramente.
Principalidade é ser o ponto primário de contato com o usuário. O primeiro app que você abre. O lugar onde começa sua jornada digital. O default - usado como padrão.
Parece simples, mas ter essa posição é o que determina quem coleta dados, dita a experiência, absorve valor incremental e cria barreiras competitivas quase intransponíveis.
O próprio Google sabe disso muito bem. Tanto que paga USD 20 bilhões por ano à Apple para ser o mecanismo de busca padrão no Safari. Vinte bilhões. Por ano. Só para ser o default. E ainda assim a Apple tá pensando que não é mais um bom negócio.
Por que isso funciona?
Inércia comportamental: Trocar custa esforço cognitivo. Mesmo que a alternativa seja melhor, o cérebro prefere o caminho conhecido.
Dados acumulados: Quanto mais você usa, mais a plataforma aprende sobre você, melhor fica para você, mais difícil sair.
Integração de ecossistema: Migrar significa refazer toda sua rede (cartões, PIX, débitos automáticos no banco; extensões e senhas no navegador).
A mesma coisa acontece com os bancos. O mercado financeiro é muito mais maduro (~94% da população bancarizada), então é uma briga de rouba monte.
Um brasileiro tem em média contas em 6,38 bancos (!).
E mais da metade dos brasileiros tem 3 ou mais cartões de crédito (!!)
Então a briga é ser o seu “banco número um”.
Como não há exclusividade, como é o caso no mercado de telefonia, a briga é por quem vai ser o banco mais usado, o que tem mais dinheiro alocado, o que consegue empurrar mais serviços financeiros (crédito, cartão, financiamento, seguros). Segundo a Accenture, esse bônus pode ser de até 17% mais produtos por ser a instituição financeira principal.
Estudos mostram que bancos que ocupam a posição de "superapp" capturam até 3x mais share of wallet que concorrentes, crescendo lucros entre 60-100% ao ano. (pesquisa da Oracle).
Um estudo da ScienceDirect sobre experiência bancária digital mostra que usuários millennials/Gen Z consolidam 80% de transações no banco "principal", mesmo tendo outras contas ativas. É inércia + switching cost em ação.
Network Effects: quando 1+1 = 11🕸

Imagem mostra a Lei de Metcalfe - cada novo usuário gera valor ao quadrado.
Network Effect é quando o valor de um produto ou serviço aumenta exponencialmente conforme mais pessoas o usam.
É uma força tão contundente que estudos dizem que o efeito de rede é responsável por mais de 70% de todo o valor criado por empresas de tecnologia desde 1994.
Dica: se você quer estudar Network Effects, poucos lugares são tão bons quanto o conteúdo do NfX, fundo de investimento especializado em startups que usam do efeito de rede. Link especial aqui - e aqui uma masterclass deles.
Um dos jeitos de explicar é a partir da Lei de MetCalfe, essa da imagem acima. valor de uma rede é proporcional ao quadrado do número de usuários.
Ex: Rede com 10 usuários = valor ~100. Com 100 usuários = valor ~10.000.
Isso explica por que o Facebook venceu o Orkut, por que o WhatsApp dominou mensagens, por que o Uber cresceu tão rápido. Massa crítica primeiro, network effects depois.
Diz o NfX que tem mais de 16 tipos de efeito de rede (e que existem muitos casos onde o efeito de rede é NEGATIVO). Alguns mais populares:
Networ Effects Diretos
Mais usuários = melhor para todos.
Mais usuários = melhor para todos.
Cada novo usuário aumenta o valor para todos os existentes. Se eles colaboram ou interagem entre si, melhor ainda. A a16z classifica como "collaboration network effects".
Exemplos: WhatsApp, Facebook, LinkedIn.
A Stripe se beneficiou disso — quanto mais merchants usam, melhores ficam os algoritmos anti-fraude, menor a taxa de falsos positivos, melhor a experiência para todos. Switching costs via integração profunda completa o moat. (Direto + Dados)
Caso similar do Figma com os designers, que colaboram em tempo real, compartilham componentes, criam bibliotecas. Migrar = perder todo o ecossistema. (Direto + colaboração)
Notion também é o case perfeito: uma pessoa adota → convence o time → time convence a empresa. Quanto mais pessoas no workspace, mais valioso (templates compartilhados, bases colaborativas, workflows integrados). (Direto + Colaboração)
Network Effect de Duas Pontas
Dois grupos distintos criam valor um para o outro.
É o modelo predominante em marketplaces, tanto os abertos como o iFood (restaurantes × consumidores) quanto os controlados como a Uber (motoristas × passageiros).
A briga pelo market share mercado de delivery brasileiro está forte com a entrada da 99 e da Meituan (iFood tem ~70% do mercado) também por conta dessa busca de efeito de rede e principalidade - por isso que estão queimando tanto cupom.
Talvez seja também um mercado de winner-takes-all como veremos a seguir. Paper da Toulouse School of Economics: plataformas que atingem 60% de share local extraem margens 2-3x superiores.
Network Effect de Dados
Mais dados → Melhor produto → Mais users → Mais dados
Quanto mais dados a plataforma coleta, melhor o produto fica, atraindo mais usuários que geram mais dados.
Exemplos: Waze (mais motoristas = melhores rotas), Google Search, Spotify. Isso é crítico para IA — cada interação melhora o modelo, personaliza a experiência, aumenta o valor. É aqui que navegadores de IA vão jogar pesado.
Network effects de dados: Quanto mais você usa uma IA, mais ela aprende sobre você, mais personalizada fica, mais valor entrega. Seu histórico é o produto.
A diferença crucial vs busca tradicional: no Google, seus dados não melhoram significativamente a sua experiência individual.
Mas em IA conversacional, seu histórico é o diferencial. Ela lembra do que você discutiu ontem, entende seu contexto, conhece suas preferências.
Winner Takes All
Once a platform achieves critical mass and becomes the default choice, competitive dynamics fundamentally change. New entrants face exponentially higher customer acquisition costs
Em mercados com network effects fortes, a distribuição de valor não é proporcional. Muito pelo contrário: é brutalmente desigual.
É uma competição onde o primeiro lugar pega de 60% a 90% do mercado e o resto fica brigando pelas migalhas. O líder tem CAC mais barato (já é o #1), efeito de rede consolidado, lock-in e custo de troca a seu favor
Google Search: 92% das buscas globais.
Chrome: 71% dos navegadores.
WhatsApp: 98% dos brasileiros com smartphone.
A ironia: esses campos (navegador, buscas, app de comunicação) são alguns dos territórios onde a briga de IA está acontecendo.
Estudo da ScienceDirect sobre evolução de modelos de plataforma: marketplaces que dominam principalidade capturam 70-85% do valor total transacionado em suas categorias. E a coisa pode ser mais lucrativa também - diz a OCDE que alguém nesse cenário “vencedor” pode ter gerar 3x a 12x mais lucro líquido por usuário (alô LTV).
Nem sempre o líder vence
Tem um detalhe importante: principalidade + network effects + winner-takes-all não garantem vitória eterna. Especialmente quando o que muda não é "trocar seis por meia-dúzia", mas sim uma mudança de paradigma. Exemplos:
Redes sociais: MySpace e Orkut dominaram por muito tempo até chegar o Facebook com UX diferente. E depois o Instagram com foto-com-filtro (aliás o próprio Instagram é um ótimo caso de mecanismo de defesa que deu certo com o Stories subjugando o desafiante Snapchat).
Busca: Yahoo foi o portal #1 da internet disparado. Perdeu para Google porque subestimou busca e focou em ser "portal de conteúdo". Google fez uma coisa só e levou pelo comportamento do usuário.
Streaming: Netflix teve chance de winner-takes-all. Foi o default por anos. Mas não construiu defesa forte o suficiente — conteúdo não-exclusivo, zero network effects diretos, switching cost baixo. Hoje? Mercado fragmentado.
Janela aberta agora - por quanto tempo?

Usei o Gemini para criar essa imagem a partir da newsletter. Conceitual?
Em mercados maduros, a briga por share é brutal mas possível. Mas agora é a hora da corrida do ouro de IA mesmo. Do tabuleiro de Banco Imobiliário sem casinha ocupada.
A mudança de comportamento começa na barra de busca se tornando linha de comando conversacional, mas ataca também o jeito que a gente trabalha, cria e consome conteúdo, entre mil outros casos de uso.
Você tem acesso a ChatGPT, Claude, Gemini, Perplexity, Llama e mais uma dúzia de IAs disponíveis (inclusive várias legais para nichos). Mas vai abrir uma primeiro todo dia. Qual?
Essa é a pergunta de um milhão trilhão de dólares.
O que dá para perceber é que existe um padrão que se repete em diversos setores:
Janela inicial aberta: Mercado novo ou em transformação radical, hábitos ainda não consolidados
Corrida pela massa crítica: Quem atinge a maior parte de market share primeiro dispara e se torna o primeiro
Network effects se ativam: Valor cresce de maneira exponencial e vantagem do líder acelera
Consolidação: Winner-takes-most, segundo lugar sobrevive mas captura fração do valor ou nicha em um caso de uso
Moat consolidado ou erosão: Ou switching costs ficam tão altos que o mercado vira impenetrável (Google Search, WhatsApp, iFood)... OU regulação/commoditização fragmenta (Telecom, Streaming).
Estamos vendo exatamente esse filme acontecer de novo com navegadores e assistentes de IA. A diferença? Você está assistindo desde o primeiro ato.
E fazia tempo que a gente não entrava em uma “corrida espacial” tão forte quanto a de agora. Talvez na era dos smartphones? Ou das redes sociais?
Eu não tenho bola de cristal para entender quem efetivamente vai ganhar. Acho que eu vou perguntar para o ChatGPT. Ou Perplexity. Ou Claude. Ou…
Mas o que vale para nós aqui: entender o princípio por trás do hype e ver se dá para aplicar no nosso negócio ou carreira.
E você? Qual navegador ou IA você tem aberto agora enquanto lê isso?



