Comunidades como canal: guia estratégico completo

Salesforce, Figma, Porsche e LEGO usam comunidades para criar vantagem competitiva. Entenda modelos, métricas e cases de Community Led Growth

Um grupo de pessoas unidas por um interesse em comum, com ritos, trocas, códigos e tradições que ganham um significado diferente e geram senso de pertencimento, influência e capital social entre os membros. 

Isso é uma comunidade. Basicamente uma micro-sociedade em funcionamento. 

Aprendemos a usar esse grupo como uma alavanca para ganhar dinheiro. Vender produtos. Fidelizar clientes. Formar influenciadores de marca. Acelerar o crescimento de um negócio. 

Mesclar o interesse da comunidade com os interesses da empresa ou pessoas organizadoras é um ajuste fino de equilíbrio, mas necessário para conseguir êxito. 

Comecei a escrever essa edição como um guia completo, mas tem tanta coisa legal que eu dividi em duas partes para apurar e destilar com mais calma. 

Hoje vamos entender a parte mais estratégica e dissecar as maneiras que você ou o seu negócio podem se beneficiar de uma comunidade, e como decidir o melhor caminho

Na Parte 2, entramos no ferramental, tático e até operacional. Entramos no como criar uma comunidade de sucesso, desde os primeiros membros até a escala e monetização. 

Como contexto: já trabalhei praticamente de todos os lados do “balcão comunitário”. 

  • Usei comunidades como alavanca de marketing 

  • Montei comunidades que eram por si só o negócio principal

  • Fomentei grupos independentes só por interesse no tema

  • Participo de pelo menos uma dúzia de grupos e comunidades

Esta edição sai no meio do especial sobre eventos como ferramenta de marketing - as duas estratégias são irmãs em uma abordagem relacional para aquisição, nutrição, conversão e fidelidade de clientes.

Aliás: o Growth Insight Premium vai ter uma versão estendida desse especial, com ferramentas e táticas exclusivas, além de discussão qualificada sobre o tema no grupo de WhatsApp (que aliás está ótimo!).

Quem é Premium também tem uma mentoria coletiva exclusiva ainda em Julho - é só entrar para o clubinho que a gente te convida também.

🧠 Tempo para escrever: 9 horas
📖 Tempo de leitura: 21 minutos
✍️ Na última edição: O playbook definitivo do Event Marketing (parte 1)

Você vai ler:

O que define uma comunidade?

Começamos pelo básico: o que define uma comunidade? Quero expandir a sua visão, já que como fenômeno antropológico essas regras valem para muitos outros ambientes. 

  • Grupo de brasileiros morando na Austrália

  • Clube de corrida no Ibirapuera

  • Clã de jogadores de League of Legends

  • Devotos de uma igreja evangélica

  • Product Marketing Managers Nipo-Brasileiros

  • “Ratos do Asfalto” que andam de Harley Davidson

  • Otakus que fazem cosplay na Anime Friends

  • Desenvolvedores de Ruby on Rails no Github

Todos esses grupos acima são… comunidades. Uma comunidade é configurada por quatro grandes premissas:

Pertencimento

Uma comunidade é exclusiva, e há uma compreensão compartilhada de que as pessoas “dentro” estão conectadas entre si e são diferentes das pessoas “de fora”.

Os membros devem ter um sentimento de pertencimento, um sentimento de que os membros são importantes uns para os outros e para o grupo. “Clubismo”. Status.

Senso de pertencimento e status: pode ser que não sirva em todos os ambientes 😂 

Influência

Um senso de importância. Tem que funcionar nos dois sentidos, com os membros sentindo que têm influência sobre a comunidade e a comunidade tendo influência sobre os membros.

Isso significa essencialmente que, ao ingressar em uma comunidade, os membros obtêm o que esperavam obter ao ingressar.

Rituais e tradições

Atos e comportamentos específicos e repetidos que solidificam a cultura e o significado de uma comunidade. Essas experiências criam história e formam conexão emocional.

São pequenas ações e símbolos que têm um peso diferente naquele grupo. Desde o jantar formal de apresentação de um novo membro do Clube até o encontro mensal dos mentores de startups. Ou o prêmio de “membro mais engajado” do mês na comunidade do WhatsApp.

Senso de obrigação

Uma obrigação moral que leva os membros da comunidade a servirem uns aos outros. Uma fé compartilhada de que as necessidades dos membros serão atendidas por meio de seu compromisso de estarem juntos. Ajudar para ser ajudado (templates, perguntas, vagas, etc).

Por que comunidade é uma boa alternativa? 

Vamos pensar em um cenário macro.

  • Canais de mídia saturados, com crescimento cada vez mais complexo

  • Entrega orgânica (social e search) ameaçada pelos algoritmos

  • CAC eternamente crescente em mídia paga

  • Atenção do seu cliente está menor e mais concorrida

  • Até o seu diferencial de produto está em xeque com IA

O que ainda se mantém (há séculos)? Relações humanas, interesses em comum, vontade de se conectar. Espaço para… comunidades. Por isso elas são um dos canais mais quentes dos últimos anos.

  • 72% dos estrategistas de marketing consideram comunidade a fonte de crescimento mais importante dos próximos 3 anos (WARC, 2024)

  • 48% das empresas B2B testando Community Led Growth (GTM Partners, 2022)

  • 80% das startups considera algum formato de comunidade (First Round Capital)

A lógica é diferente:

Diferenças entre o “modelo tradicional” e o modelo community led, de acordo com uma… comunidade sobre o tema 🙂 - eu tendo a trucar um pouco essas mudanças tão drásticas.

Para o tipo certo de negócio, se apoiar em uma comunidade pode ser um atributo chave para se diferenciar. Lembro esse texto da Harvard Business Review. Alguns exemplos: 

Salesforce: tem uma comunidade de Trailblazers com mais de 2 milhões de membros que trocam melhores práticas. Diminuiu seu custo de atendimento e suporte em 83% por conta das “respostas da comunidade”. Fora 2x mais deals e 3x menos churn. (fonte).

Harley Davidson criou o Owners Group para fomentar o estilo de vida atrelado à marca. Hoje são mais de 1400 “chapters” locais. Um membro HOG gasta 30% a mais em produtos e anda 2x a mais com a moto do que um “comum”.

LEGO tem o Lego Ideas, onde os fãs criam designs com os blocos - se eles ganham mais de 10 mil votos, viram realidade. Virou um laboratório de inovação com ideias pré-validadas.

Porsche tem uma comunidade de relacionamento apenas para os donos de seus carros (Porsche Club), com mais de 70 anos, 240 mil membros e 86 países. Isso gera 56,8% de recompra, o maior indicador entre as marcas de luxo.

Glossier: começou como blog e se tornou uma marca de maquiagens. Usou a audiência e a comunidade para escalar feedback de usuárias sobre seus produtos, alavancar UGC (user-generated content) e vendas. Vale USD 1,2 bilhão com esse go-to-market.

Os 3 modelos de comunidade

O fundo de VC OpenView lista 5 maneiras de trabalhar comunidade e PLG. Trazendo para a nossa realidade, são 3 principais.

Existem três grandes modelos de comunidade, que são basicamente como o público vai engajar com uma comunidade e qual o objetivo dela. Esses modelos não são excludentes, então uma organização pode atacar em mais de uma frente. 

Business de Comunidade

O primeiro é o business de comunidade: quando aquele grupo de pessoas é o próprio negócio - ele garante a monetização de maneira independente, seja cobrando dos membros e/ou patrocinadores. 

Contam com uma gestão profissional e fins lucrativos. São tratados como empresas. 

É o caso de organizações como o Hampton, criada para fundadores de negócios que já tiveram sucesso financeiro. Do Exit Five, comunidade gringa de marketing B2B. Do YPO (Young President Organization), que reúne executivos por todo o mundo. Do The Old Girls Club, para diretoras mulheres (a história é EXCELENTE).

GLA (Growth Leaders Academy), TheCMOs, B2B Insiders e vários outros ocupam esse espaço entre a turma de marketing brasileira. E sempre tem a turma dos infoprodutores, que contam com comunidades como um de seus produtos. 

É um ótimo modelo para quem tem audiência massiva e conteúdo. Monetiza com receita recorrente, geralmente com boas margens, e tem uma propensão grande a ter upsell (se o engajamento funcionar). 

Casa muito bem com produtos educacionais e consultivos dentro de uma escadinha de valor. Gera um ganho reputacional forte para outros negócios. 

Como marca, você consegue entrar na conversa patrocinando essa comunidade, e pode até fazer uma “dobradinha” usando o líder dela como influenciador, por exemplo, ou algum evento ou interação digital dela como plataforma de marca. 

Já que esse grupo é tratado como negócio, é possível que você tenha um tratamento profissional e expectativa clara de retorno. 

Comunidades espontâneas

O segundo tipo de comunidade que você pode se aproveitar como negócio são as comunidades espontâneas. Elas já existem, criadas por membros com interesses em comum e sem nenhuma afiliação como negócio. 

Não contam com uma hierarquia fixa, dividindo a responsabilidade entre os fundadores e os membros mais engajados - às vezes fazem rodízio ou eleição de diretoria ou “cargos” mais flexíveis, geralmente part-time. 

Podem eventualmente até ganhar algum dinheiro com patrocínio ou ativações, mas ele retorna como benefício para os membros uma vez que não é o objetivo principal da organização. 

As pessoas participam daquela comunidade só por conta do interesse em comum, do senso de pertencimento e troca, e da vantagem reputacional de fazer parte daquele nicho. Aquele grupo de WhatsApp com várias pessoas da mesma profissão é o melhor exemplo de uma comunidade espontânea. 

Eu conheço de cabeça o Emerging VC Fellows, Fala Aí PMM, o Finmarketing, o CMKT, o Growth SP - Brasil Inteiro, entre mil outros - inclusive se eu esqueci da sua comunidade me dá um alô que eu cito na próxima edição.

Como marca, você não tem controle da comunidade, mas pode acessar seus integrantes por meio de ativações espontâneas e até patrocínios e parcerias ao grupo. Mas se fugir muito da conversa principal ou ficar jabazeiro, vai ficar estranho. E não espere o mesmo nível de gestão de quem trata a comunidade como negócio, salvo exceções.

Community Led Growth

Se você é profissional de marketing ou growth dentro de uma empresa, provavelmente aqui é onde o seu sino vai tocar. Community Led Growth é quando uma companhia fomenta uma ou mais comunidades como forma de alavancar seus resultados de vendas e retenção. 

Dos exemplos que eu já citei aqui, se encaixam os grupos liderados por Porsche, Harley Davidson, Lego, Sephora e muitos outros. 

Em tech, muitas das empresas fazem esse trabalho há anos com developer relations (ou Dev Rel para os íntimos) ou com quem trabalha com martech. Amazon, Google, Salesforce, Hubspot são alguns outros exemplos de atuação forte. 

Existe uma dobradinha boa nesse caso entre Community Led Growth e Product Led Growth. As comunidades são centradas nos casos de uso do produto, que por acaso… gera a monetização. 

É o caso do Miro, do Notion e do Figma com as suas comunidades de criadores de templates (tanto pagos quanto gratuitos). 

As marcas apostam em impulsionar esses creators, que geram mais engajamento e tráfego de usuários interessados para a companhia - 85% dos acessos iniciais ao Notion vieram daí. 

“A comunidade construída em torno do Notion não foi mera sorte, a empresa se apoiou nesses movimentos e identificou que seus - até então não-oficiais - membros queriam duas coisas ao promover a ferramenta: resolver seus problemas com o Notion ou criar um negócio a partir do Notion.”

Olivia Nottebohm, CRO do Notion

O Fórum: tamanho e tipo

Outro eixo que você precisa escolher é o tipo de arena que vai colocar a sua marca. Não existe um fórum melhor, mas sim o que mais se adequa ao seu modelo de receita e tipo de público. 

A escolha do fórum de comunidade é uma tangente ao go-to-market da sua empresa. Há ainda modelos híbridos, e empresas que atacam nas duas frentes: comunidade aberta para o usuário final, e fechada para os decisores. 

Comunidade aberta: volume é o diferencial

O Miro tem uma seção inteira divulgando sua comunidade

É o mais indicado para produtos de adoção massiva ou lógica B2C - o número imenso de membros é um dos grandes poderes dessa comunidade, que segue os padrões de network effect clássicos (cada novo membro gera mais valor ao todo). 

A comunidade aberta tem algumas características: 

Baixa Barreira de Entrada: Qualquer pessoa interessada pode participar. Basta criar conta, aceitar as regras básicas e pronto — você faz parte. Não tem nenhum grande gatekeeper. 

Escala Massiva: Estamos falando de centenas de milhares ou milhões de membros. A Sephora Beauty Insider tem 5,5 milhões de participantes. O r/Notion no Reddit ultrapassou 200 mil usuários, desde iniciantes fazendo perguntas básicas até power users criando conteúdo avançado. 

UGC em escala industrial: User-Generated Content flui como uma cachoeira. Fotos, tutoriais, templates, cases — a comunidade produz mais conteúdo que qualquer equipe de marketing conseguiria.

Mais caos: como é muita gente falando ao mesmo tempo, as coisas tendem a ser mais caóticas - a marca tem menos controle da mensagem e narrativa. Pode ter crítica no meio, gestão de crise, e muito barulho mesmo. 

Além do Notion que falamos ali acima, outros bons exemplos são o Miro, com o Miroverse, uma biblioteca gigante de templates que alavanca SEO e novos usuários, e o Figma, que mantém uma lógica de compartilhamento de assets entre os membros.

Comunidade fechada: escassez intencional

Porsche Club é um exemplo de comunidade fechada - só para quem tem o carrão e passa no crivo.

Do outro lado do espectro estão as comunidades fechadas, o “camarote” desse modelo. A escassez é intencional, e elas são feitas para parecerem exclusivas - com todos os ônus e bônus desse modelo. 

Comunidades pagas usam fricção — financeira ou não — para construir ambientes de alto valor onde membros têm "skin in the game" e sinal de status.

Pode ser mais indicado para as empresas que apostam em ABM (account-based marketing) ou marketing de relacionamento, ciclo de vendas longo e tudo mais. 

Fricção intencional: pode ser receita, dinheiro no banco, cargo, nível de senioridade, uma prova de entrada ou qualquer outro. As comunidades fechadas promovem a fricção para que os membros a valorizem mais. 

Um exemplo que eu criei desde o dia 1 foi o Clube CMO, iniciativa da EXAME que reúne os líderes das maiores companhias do País.

Para entrar no Clube, um executivo deveria ser o maior cargo de marketing de uma empresa com investimento de pelo menos R$ 50 milhões por ano em mídia, ser aprovado pelos integrantes já listados - e ainda pagar uma anuidade generosa. 

O YPO só aceita CEOs com menos de 45 anos em empresas com mais de R$ 15 milhões em receita anual.

O Hampton, que eu já mencionei, que trata com founders com mais de USD 1 milhão de receita e funding de USD 3 milhões, apenas em certas regiões dos Estados Unidos. 

No Mentor Club da ACE que também participei da criação, a fricção não era financeira, mas sim de track record e disposição de ajudar empreendedores. Os mentores eram entrevistados e avaliados para ver se faziam parte daquele grupo. 

Exclusividade como proposta: Se é tão difícil entrar e há uma curadoria tão forte sobre os membros, eles fazem parte da proposta de valor. O networking 1-para-1 é muito mais incentivado, e há um fator de status por fazer parte daquele grupo. É um espaço de networking muito mais qualificado. 

Experiência profunda e high touch: Se é para um público seleto e o ticket médio compensa, você investe muito mais na experiência. No nível “trazer o Garry Kasparov para jogar xadrez com os clientes”, ou colocar um conteúdo de alta densidade técnica para uma discussão mais aprofundada.

No Clube CMO, os encontros eram experiências extremamente refinadas (como cozinhar no Le Cordon Bleu) e com trocas que só aquele fórum poderia ter (como os bastidores de patrocinar a Seleção Brasileira), de CMO para CMO.

Atacar ou não comunidades?

Panorama dado, hora de escolher: você vai tentar se envolver com comunidades ou criar a sua própria como canal de aquisição e relacionamento? Um resuminho básico pode te ajudar a tomar essa decisão.

Motivos para seguir ✅ 

  1. Diminuição do CAC

  2. Expansão do LTV e recompra 

  3. Validação rápida de produtos e proposta de valor 

  4. Efeito de rede e recomendação 

  5. Canal de marketing resistente a algoritmos

Motivos para não seguir 🟥 

  1. Querer resultado imediato

  2. Bombardear como canal de vendas

  3. Não dar a devida atenção/recursos

  4. Modelo de negócio 100% transacional

EXTRA - Controle: você não tem controle total sobre uma comunidade, mas pode estabelecer guias e parâmetros para a colaboração entre todos. O controle é menos centralizado e depende dos membros e dos líderes. “A comunidade não é sua”, você é apenas um líder e moderador.

Sua decisão

💡 Por que você vai destinar tempo, esforço e dinheiro para tentar criar ou se aliar a uma comunidade? Os objetivos precisam estar claros para a companhia em três níveis

  1. Business level: Como a sua comunidade vai gerar receita e benefícios estratégicos para a sua empresa?

  2. Community level: Como sua comunidade crescerá e se tornará mais saudável e engajada ao longo do tempo?

  3. Tactical level: Quais são as iniciativas e melhorias específicas nas quais você trabalha para construir uma comunidade saudável e engajada e alcançar os resultados de negócios?

» Para ajudar na sua decisão: ELMR Framework

Os primeiros dois itens precisam estar combinados entre a liderança da empresa e fazem parte do planejamento estratégico da comunidade. O terceiro item pode ser operacionalizado pelo time.

Falando em operação: te vejo em 15 dias. Até a parte 2.

Qual a nota dessa edição?

(pessoas educadas respondem)

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